Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Paula Barcellos


 

Olhar crítico e perspicaz

 

Jornal do Brasil

09.04.2005

 

Textos publicados na imprensa entre 1931 e 1954 tornam Lucia Miguel Pereira referência obrigatória do ensaísmo literário


A leitora e seus personagens
Lucia Miguel Pereira
Graphia
386 páginas
R$ 45

Escritos da maturidade
Lucia Miguel Pereira
Graphia
358 páginas
R$ 45

 

Como romancista, publicou Maria Luiza, Em surdina, Amanhecer e Cabra cega. Tudo entre 1933 e 1954. A recepção dos especialistas não foi a melhor possível, mas nada que abalasse a carreira da autora. Ou melhor, da crítica literária. Lucia Miguel Pereira, nascida em Barbacena e criada no Rio de Janeiro, foi, indiscutivelmente, uma das mais representativas do pensamento crítico brasileiro da primeira metade do século 20. Ao lado de Gilda Mello e Souza e Luiza Barreto Leite, transformou-se em referência obrigatória do ensaísmo feminino. Nos anos 30, na chamada década decisiva de afirmação do romance e da poesia no Brasil, seus textos vigoraram nas páginas de Revista do Brasil, Boletim de Ariel, A Ordem, Lanterna Verde e Gazeta de Notícias. O itinerário crítico de Lucia Miguel Pereira foi interrompido drasticamente em 1959, quando, junto ao marido, o advogado Octavio Tarquino de Sousa, morreu num acidente de avião. Quatro anos antes, a já consagrada biógrafa de Machado de Assis deixou por escrito as coordenadas da própria obra: “Nenhum inédito meu será publicado após minha morte, senão por Octavio Tarquino de Sousa. Na sua falta, deverão meus herdeiros queimar todos os papéis, assim literários como íntimos que encontrarem”.

Escrito e feito. A família seguiu à risca as determinações da autora. Seus textos, publicados na imprensa entre 1931 e 1959, compõem os títulos A leitora e seus personagens e Escritos da maturidade, editados juntos pela primeira vez, agora, pela Graphia. Da conduta dos críticos a leituras de obras de Graciliano Ramos e Gilberto Freyre, passando por reflexões sobre a nação, nada escapou ao olhar perspicaz de Lucia Miguel Pereira. Nem os modernistas, no auge de sua atuação, saíram ilesos. “Há um equívoco profundo no conceito da arte modernista, uma tentativa de afirmação pela negação, um desejo de criar no efêmero, de se estabelecer no movediço”, escreveu em um de seus artigos.

Defensora da crítica como um gênero literário, Lucia definia o crítico como um escritor sem imaginação, alguém que necessita do choque do pensamento alheio para fecundar o seu. Estaria, portanto, preso às influências do meio. Mas ela deixa claro que ser crítico não significa assumir atitudes de juiz – “pretensão ridícula”, complementa.

Longe de vestir a carapuça de um deus ao fazer suas críticas, Lucia esmiuça, por exemplo, as obras de Graciliano Ramos com os pés no chão e muita sensibilidade. Em artigo publicado no Boletim de Ariel, em 1938, ela compara Vidas secas a um filme mudo de Charles Chaplin. “Será um romance? É antes uma série de quadros, de gravuras em madeira, talhadas com precisão e firmeza. Nenhuma preocupação fotográfica, mas a fixação de sentimentos de criaturas humildes, de sentimentos também humildes e trágicos justamente por não se poderem alçar mais alto e nem ao menos expressar. Romance mudo como um filme de Carlitos”, descreveu.

Páginas depois do “cinema” de Graciliano é a vez do “tom colorido de cronista” do Gilberto Freyre. Na crítica de Lucia, em Casa Grande & Senzala, “o escritor de raça” alia à precisão das investigações históricas e sociais uma liberdade de apreciações, um sentido do pitoresco. Mas, para a ensaísta, o grande escritor brasileiro foi mesmo Machado de Assis e sua atualidade permanente.

“Vivendo numa época de literatice, onde o culto, já não da forma, mas do vocábulo excessivo, imperava, soberanamente, teve a suprema graça da exatidão, e rara elegância em ser conciso. Com uma sábia economia de palavras, soube por em evidência as idéias”, enfatizou em um dos inúmeros artigos dedicados a Machado nos livros.

Organizadas por Luciana Viégas, as edições apresentam alguns erros de digitação, excesso de espaçamento entre as palavras e algumas vírgulas mal empregadas. Mas nada que tire o mérito da obra de Lucia Miguel Pereira. Como a própria escreveu em relação à obra de João Gaspar Simões, “nesta pequena nota não é possível dar senão uma idéia talvez excessivamente simplificada dos ensaios deste livro, que é da melhor, da mais alta, da mais séria crítica literária”.

 

Lúcia Miguel Pereira

Leia Lúcia Miguel Pereira

 

 

 

 

 

 

29.03.2006