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Jornal do Conto

 

 

Paulo de Toledo


 


Encruzilhada


 

 

Encruzilhado.

O guarda lembra da sua mulher, Rosa. Rosa dos Ventos, como ele a chamava. Rosa gostava dos dias de ventania, adorava espalhar sua alegria aos quatro ventos, amava o vento e sua liberdade.

Quatro sinaleiros quebrados, piscando caoticamente seus olhos vermelhos.

No meio da rua, o guarda, de braços abertos e com a face virada para o norte, lembra dos versos: “ver pó dura / cresce a árvore horizontal sobre o solo sem agricultura”.

Amalgamado com o cinza e o verde da cidade, o vermelho das liquidações de Natal.

Carros parados, buzinas. Sobre a faixa de pedestres, carros. Sobre os carros, gente. Cães mijam nos pneus Goodyear.

O guarda silva o apito — espantalho numa plantação de ódio. Em vez de corvos, um urubu pousado em cada sinaleiro. E cada um deles, como os sinaleiros, piscam seus olhos encarnados de demônio que sonha.

Uma pomba morta (um branco enegrecido e que Omo não lava) sob os pés do guarda.

Dentro do carro, a leste do guarda, um casal discute sua separação.

Dentro do carro, a oeste do guarda, um velho pensa em suicidar-se.

Dentro do carro, ao sul do guarda, um homem acredita na ressurreição.

Dentro do carro, ao norte do guarda, uma mulher apaixona-se pelo guarda.

O guarda, por sua vez, continua de braços abertos e lembra de um filme sobre o general Custer, no qual ele é massacrado por milhares de índios. Lembra também de outro filme, este sobre um bluesman (o “Sinal de Apito” do Drummond silva ritmadamente, quase fugindo do olvido) que fez um pacto com o diabo. Lembra também de um comercial do desodorante Axe (apesar de preferir o Avanço). Lembra também que fez um avião de madeira para o seu filho de 3 anos. Lembra também que o sol, nestes dias de verão, vai até às tantas e que suas pernas estão bambas...

Cai.

No ar, só o canto fúnebre dos urubus.

O guarda caído, de braços abertos (se consciente, lembraria o Tom cantando: “braços abertos sobre a Guanabara”), com a boca seca parecendo querer beber o sangue que escorre da pomba morta.

Desce do sinaleiro, que fica ao norte do guarda, um urubu cheio de vento. Ele abre seus braços (um vento de repiquetes leva a catinga do bicho, que não usa Axe, até todos os carros) e, girando qual bailarina de O Lago do Cisne, silva aos quatro ventos seu infindável “nunca mais”.