Pedro Doria
Em busca de Jesus
25 de dezembro de 2005
No ano de 1968, trabalhando em Givat
ha-Mivtar, cidadezinha próxima a Jerusalém no caminho para Nablus,
Cisjordânia, um grupo de operários descobriu um cemitério. A Guerra
dos Seis Dias havia terminado meses antes e a região que pertencera
à Jordânia tinha sido recentemente conquistada. Os arqueólogos
chefiados por Vassilios Tzaferis, diretor de escavações da
Autoridade de Antiguidades de Israel, encontraram um total de 15
ossários de pedra calcária. As caixas, algumas com inscrições,
outras sem, continham as ossadas de 35 pessoas, todas mortas entre
os últimos anos do século 1dC e as décadas seguintes.
Um deles era um homem jovem, com algo
entre vinte e tantos e trinta e poucos anos. Morreu crucificado.
As atenções de cristãos de todo o
mundo se voltaram para as pesquisas dos cientistas. Embora na
literatura do tempo exista um número incrível de descrições de gente
condenada à cruz – só na rebelião do escravo Spartacus, 6 mil
morreram assim –, nunca o corpo de uma destas vítimas fora
encontrado. A explicação tradicional indicava que seus corpos não
tinham enterro digno, eram jogados fora. Mas, incrivelmente, o homem
de Givat ha-Mivtar teve sepultara própria.
O corpo estava fraturado nas pernas –
como se elas tivessem sido quebradas para retirá-lo da cruz. A
análise do professor Joseph Zias, curador da Autoridade de
Antiguidades, revelou que o calcânio direito fora atravessado
lateralmente por um prego de ferro comprido 11,5cm. Os restos de
oliveira entre a ponta do prego e o pé indicavam a madeira da cruz.
Uma placa entre a cabeça do prego e o calcanhar mostraram que não
fora martelado direto sobre a carne. Seus pés foram pregados aos
lados do poste, não à frente. E seus braços, aparentemente,
amarrados. Segundo a inscrição em aramaico no ossário, o homem de
vinte e tantos, trinta e poucos anos, chamou-se Yeohanan bar Ha'Galgol
– João, filho de Ha'Galgol.
Tudo indicava que os crucificados não
tinham direito a sepultura, contradizendo o Novo Testamento. O filho
de Ha'Galgol provou o contrário.
Jesus como fantasma
Jesus é como um fantasma – não há
registro de sua existência fora da Bíblia cristã. É um personagem
tão concreto, que teve tanto impacto em todo o desenvolvimento
humano dos últimos dois mil anos – e, no entanto, é só buscar um
Jesus histórico e ele se esvai, escapa. Não há. É um personagem tão
tênue que a simples comprovação de que um crucificado poderia ter
direito a túmulo é recebida com alívio. Cada pequeno passo parece
indicar que ele está mais próximo.
Mas alguma coisa aconteceu nas terras
que os romanos, no primeiro século, chamaram de Palestina. A
civilização ocidental toda – toda ela – se origina num tripé de
culturas, a grega, a romana – e a judaica. É um acidente histórico,
é o improvável. Houve grandes civilizações. Houve os fenícios e seu
ímpeto viajante. Houve o Império Egípcio. O Império Persa. Todos
peças de museu. Roma conquistou tanto. A Grécia de Alexandre também,
e criou a filosofia, avançou com a matemática, a astronomia.
A gente do Livro, a gente de Abraão e
de Moisés, escrava tantas vezes, que passou de um domínio a outro –
babilônicos, persas, gregos, romanos – a gente que nem em Jerusalém,
sua cidade sagrada, mandou de todo, esta gente persistiu. O que a
fez sobreviver foi uma religião. Não apenas sua religião se sobrepôs
à de Roma e Grécia, através do Cristianismo, como se manteve viva no
Judaísmo Rabínico enquanto tantas outras se extinguiram. Ainda teve
fôlego, uns séculos adiante, e pariu um terceiro filho, o Islã.
Monoteísta, crente em Abraão, crente na santidade de Jerusalém. E
Jerusalém permanece disputada – como se uma das três religiões fosse
mais verdadeira que as outras duas.
Jesus como homem
Entre os seus, ele foi conhecido como
o rev Yehoshua bar Youssef, o rabino Jesus, filho de José. Houve o
tempo em que, pareceu, havia uma segunda fonte a confirmar sua
existência além dos textos cristãos primitivos, no século primeiro:
um parágrafo perdido nas obras do historiador judeu Flávio Josefo.
"Nessa época, apareceu Jesus", escreveu ele, "um homem sábio, se, de
fato, podemos chamá-lo de homem. Porque ele fazia coisas
maravilhosas, era um mestre do povo que percebe com prazer a
verdade."
Foram descobertas versões do mesmo
trecho bem menos adjetivadas – os monges copistas, na Idade Média,
às vezes incluíam o que lhes interessava. E o parágrafo de Josefo
tornou-se escorregadio. São raras as cópias de suas obras com a
citação. A dúvida de se foi de todo falsificado permanecerá para
sempre. O ossário de Tiago, irmão de Jesus, que veio à tona faz dois
anos – e cuja falsificação foi comprovada em poucos meses – pareceu
que enfim traria esta segunda fonte. Mas não há segunda fonte. Uma
frase apenas, basta uma frase em algum lugar, basta-lhe o nome
escrito – mas não. O rev Yehoshua escapa. Quem existe é o Iesous
Christos, nascido em grego, preso entre as capas duras de Bíblias
cristãs. Todo Jesus nasce da Bíblia, não há Jesus fora dela.
O costurar da Bíblia
Um dia, o judeu fariseu Saulo, nascido
em Tarso, cidadão romano, viu uma luz na estrada que seguia de
Jerusalém a Damasco, a luz era Jesus e Jesus ordenou-lhe que
pregasse seus ensinamentos aos gentios. A missão proselitista de São
Paulo, nos cálculos da Enciclopédia Católica, não começou antes do
ano 45. Sua primeira carta é de uns quinze anos após a morte do rev
Yehoshua. Além de sua visão fugaz na estrada, o que aprendeu foi com
escritos que se perderam e a memória de primeira ou segunda mão de
quem o conheceu.
O "Evangelho de Marcos" é de algo
entre 65 e 80 – seu autor não o conheceu. Como Paulo, escreveu sobre
o que leu ou o que ouviu. Ponham-se Mateus e Lucas ao lado de
Marcos, e os dois evangelistas seguem a narrativa de Marcos
encaixando umas frases diferentes, aqui e ali. No século 19,
teólogos alemães sugeriram que ambos teriam as mesmas duas fontes,
Marcos e um segundo Evangelho perdido. Apelidaram-no de "Q".
Em 1945, dois fazendeiros egípcios
encontraram, nas terras que aravam, um grande jarro de cerâmica;
nele estavam os rolos completos de uma obra da qual se conheciam
apenas fragmentos de pergaminho. Esta versão era em copta, um
dialeto grego egípcio. É o "Evangelho de Tomás" – que pode ser "Q".
Não é uma narrativa da vida do rev Yehoshua, são frases, 114
fragmentos de diálogos entre Jesus e seus discípulos.
Às vezes, o "Evangelho de Tomás" é
intransponível: "E Jesus disse tem sorte o leão que o homem come,
porque o leão torna-se humano; e tolo é o homem que o leão come,
pois o leão também torna-se humano." Mas, às vezes, é incrivelmente
familiar: "E Jesus disse, o Reino de Deus é como o grão de mostarda,
a menor das sementes, que quando cai em solo fértil produz uma
grande planta que serve de ninho aos pássaros no céu." Não é
improvável que com esta lista de frases e Marcos, tenham nascido
Mateus e Lucas. O quarto Evangelho, atribuído a João, é
provavelmente um século posterior a Cristo.
Diferentemente dos evangelistas, Paulo
falava de alguém que existiu em seu período de vida; ele teve
contato (e disputas) com gente que conviveu com Jesus. Ou ao menos é
o que diz. A armadilha do Novo Testamento surge: uma espiral
desorientadora onde ele próprio é fonte de si mesmo, ele se
sustenta, ele é tudo o que há.
Jesus enquanto Hamlet
O descrente ou o crente eventual que
pega e lê o "Evangelho de Marcos" depois de muito tempo toma um
susto. Jesus não é plácido. Jesus tem pressa, vai para um lugar,
para o outro, nunca pára. Jesus é impaciente, explica, mas nunca
parecem entendê-lo. Jesus nunca deixa claro quem é, seus discípulos
ou o leitor têm que decifrá-lo. Jesus tem raiva, entra no Templo,
chuta as balanças. É um personagem de todo humano.
Harold Bloom é também, a seu modo, um
velho judeu impaciente, irônico por vezes, está em busca da beleza –
um dos principais críticos literários atuais. Agora em outubro, saiu
nos EUA "Jesus and Yahweh", sua tentativa de explorar Cristo, o
personagem. Marcos, para Bloom, "é talvez um morador de Roma, ele
espera ansioso até que recebe a terrível notícia da destruição do
Templo."Aí senta e escreve; seu resultado é um Jesus como Hamlet, um
homem enigma.
Se este leitor pouco habituado ao Novo
Testamento pega na seqüência o "Evangelho de João", o contraste não
pode ser mais evidente: antes havia um homem ansioso, em João há
Deus feito pessoa. "No princípio era o verbo", diz na introdução o
evangelista, "e o verbo era Deus, e o verbo se fez carne e habitou
entre nós." Não bastasse, João faz seus discípulos perguntarem
surpresos ao mestre: "Ainda não tens 50 anos e vistes Abraão?" E
João põe na boca de Jesus a resposta: "Antes que Abraão existisse,
eu sou". Desaparece o enigma, há uma segurança quase autoritária.
À espera de salvação
Na virada dos tempos aC para os dC, os
israelitas eram 7,5 milhões de pessoas. A maioria vivia na dispersão
– a diáspora – entre Babilônia, ou Egito, até mesmo em Roma. E 2,5
milhões viviam nos arredores de Jerusalém, mais ou menos onde ficam
hoje Israel e Palestina.
Eram quase todos pobres e trabalhavam
muito, de sol a sol. Viviam em casas construídas com uma base de
pedra e tijolos de barro, buscavam água no poço da vila todas as
manhãs. A classe média tinha pequenas terras para o cultivo ou
trabalhava em profissões como carpintaria. A maioria, no entanto,
trabalhava para os outros, pela subsistência. A Galiléia do rev
Yehoshua era onde ficavam as terras mais férteis.
Num mundo muito mais agressivo do que
o atual, as doenças se espalhavam com freqüência, a dor da morte era
uma constante em toda rua, fazenda, casa, família. Qualquer indício
de doença trazia pânico para toda a vizinhança. Pagavam impostos
altos ao dominante, ao rei posto pelo dominante, aos sacerdotes do
Templo. Havia anseio por justiça social.
Quem fosse rico morava em Jerusalém.
Na cidade alta, havia um bairro comprido com casas de mármore à moda
grega, luxuosas, onde viviam lado a lado romanos da administração e
os israelitas donos de grandes terras ou grandes negócios. Na cidade
baixa, a vida era mais difícil – embora melhor do que em qualquer
outra parte. É onde ficavam pequenos comerciantes, estalajadeiros e
quem mais servisse aos peregrinos.
O Santo dos Santos
Jerusalém era uma cidade turística,
que recebia gente de toda a parte, todo o ano, principalmente nas
três grandes festas - no Dia do Perdão, Pentecostes e Páscoa. Todo
judeu, ao menos uma vez na vida, visitava o Templo de Jerusalém –
porque o Templo era o centro de toda a identidade judaica. No tempo
de Jesus, havia um movimento razoavelmente recente de erguer
sinagogas na diáspora, mas as sinagogas eram lugares de estudo e
reunião. O Templo era, literalmente, a morada do Deus cujo nome não
se diz.
Aquele Templo era o segundo. O
primeiro, o Templo de Salomão, foi erguido por volta de 950aC e
posto abaixo por Nabucodonosor, rei da Babilônia, em 586aC. Após um
mítico exílio de 70 anos, o Templo foi reconstruído por ordens do
rei persa Ciro, o Grande. O pátio no qual o rev Yehoshua pisou era
do mesmo Templo de Ciro, que sofrera fazia poucos anos uma reforma,
impetrada pelo rei Herodes. O povo judeu tinha tanto medo de perder
seu Templo que, para pôr abaixo e reerguer o núcleo, Herodes teve de
acumular ao lado todo o material que utilizaria para provar que
tinha condições de fazê-lo o mais rápido possível.
Regras muito, muito estritas
descreviam quem podia entrar no coração do Templo, o Santo dos
Santos, o lugar onde Deus vivia. Por isto, eram sacerdotes os
operários. Nenhum gentio poderia entrar em qualquer das áreas e,
mesmo os judeus, apenas após rituais de purificação. O Templo punha
em movimento a economia de Jerusalém. Era no Templo que ficavam os
rolos das escrituras sagradas – que reordenadas foram dar no Velho
Testamento.
Escuta, ó Israel, o Senhor seu Deus é o único Deus
Qualquer um dos vizinhos não teria
como lidar com o Deus dos judeus senão com estranheza. Todos os
deuses tinham suas histórias, sua genealogia, seus feitos. Embora,
bem no passado, os judeus tivessem alguma memória de seu Deus
interagindo com os homens, Ele era mais como uma idéia, não um deus
com rosto ou carne. Quem lesse os escritos sagrados dos judeus
encontraria não a história de Deus, mas a história do povo. Era
muito diferente: um deus feito sob medida para eles, evoluído ao
longo de mais que um milênio.
A maioria dos especialistas hoje,
incluam-se na lista a ex-freira britânica Karen Armstrong ou o
teólogo luterano norueguês Oskar Skarsaune, concordam que o
monoteísmo não surgiu de imediato. Cá estava um povo que seja em sua
mitologia, seja na história, quase nunca mandou, sempre teve
mestres. Então, a primeira marca que procuraram num Deus foi a
exclusividade. Não é que não acreditassem na existência dos deuses
vizinhos – a Antigüidade era politeísta, toda ela. Mas o Deus YHWH
ofereceu-lhes uma aliança na forma de duas placas com mandamentos.
Eles adorariam apenas a Ele, e Ele olharia apenas por eles. Ao menos
isso tinham: eram o povo daquele Deus.
Dominados, explorados, sempre foram –
mas houve tempos difíceis, como o do mando babilônio, e tempos nos
quais tiveram mais liberdade, como o período persa. E, ainda assim,
o que lhes sobrava era a obediência. Foi dos persas, da misteriosa
religião de Zoroastro, que pegaram a segunda das características
marcantes de sua religião: a crença de que, no fim, o bem
triunfaria; que haveria um Julgamento final. Que, fundamentalmente,
o Senhor Deus enviaria um messias para salvá-los a todos.
Ao dominante persa, sucedeu o grego –
não podiam haver duas culturas mais distintas que a grega e a
israelita. Os gregos propunham uma sociedade cosmopolita, em nada
mística. Foram 200 anos de domínio grego até o controle romano, em
63aC. Dois séculos de conflitos, disputas, rompimentos, traumas. A
constante imposição de uma versão mais universal do Deus judaico
criou anseios na população, fortaleceu a crença apocalíptica. Mas
quando foi chegando a Era Cristã, o Deus judeu já era um Deus vago,
um Deus único, um Deus idéia. O resultado também foi um ideal
apocalíptico, messiânico. Místico e complexo.
Quando o rev Yehoshua nasceu, a
religião que conheceu era esta: uma amálgama por vezes incoerente da
cultura de seus ancestrais com a persa, com a grega. O povo, muito
pobre, ansiava por justiça e tinha certeza de que, se estava tão
ruim, era porque o messias estava prestes a chegar. E, com ele, o
fim dos tempos. Jamais se quis tanto um milagre. Mas, naquela
religião tão estranha, havia outra coisa particularmente
sofisticada, particularmente diferente, surgindo também.
Amai-vos uns aos outros
Um dia, um gentio que gostaria de se
tornar judeu pediu ao rabino Hillel que explicasse as escrituras
enquanto ele se punha suspenso num só pé. O homem levantou o pé e
Hillel disse: "Não faça aos outros o que não quer que façam contigo.
Esta é a Lei, o resto é comentário." A tradição não deixou
registrada a resposta do gentio.
Hillel, que viveu poucos anos antes de
Jesus, era fariseu. A população israelita se encontrava espatifada
em partidos. Os fariseus, tão conhecidos dos leitores do Novo
Testamento, são também os mais incompreendidos. Não se preocupavam
tanto com a questão do domínio romano, inconformavam-se mais com o
controle sacerdotal. Acreditavam que o conhecimento das escrituras
deveria ser difundido a todos.
Os sacerdotes, ou saduceus, uns 20 mil
homens, tinham o poder religioso. Os essênios, como que sacerdotes
de oposição que se isolaram no deserto, eram místicos. Os zelotes,
nacionalistas fervorosos, queriam a independência. E toda esta
gente, inimiga entre si, compôs, a um tempo, a política e a religião
dos judeus.
Quando um fariseu procurou Jesus –
está em Marcos, em Mateus e em Lucas – e lhe perguntou qual a maior
das leis, Jesus respondeu "Amarás o Senhor teu Deus de todo
coração", deu uma pausa, continuou: "Amarás o teu próximo como a ti
mesmo." O fariseu assente: "Amar ao próximo vale mais que qualquer
sacrifício no Templo." O mais incrível em todo o Novo Testamento é o
quão parecidos eram Jesus e os fariseus.
"Será que Jesus acreditava que sua
mensagem era original?" – pergunta- se Harold Bloom. "Será que sua
mensagem era assim tão diferente da de Hillel?" Sem respondê-lo de
todo, o professor luterano Oskar Skarsaune, autor de "À sombra do
Templo", arrisca: "A política de Jesus não era muito diferente da
dos fariseus; ele não estava tão preocupado com a ocupação romana e
sim em convocar o povo de Israel ao arrependimento e à renovação.
Ele era anticlerical."
Na compreensão da política do tempo,
então, é possível descobrir alguém mais próximo do rev Yehoshua,
alguém além da Bíblia cristã. Skarsaune arrisca que, se fariseus
aparecem mais no Novo Testamento que outros grupos, é porque era com
eles que o rev Yehoshua convivia. Mas há outras teorias. Após a
descoberta dos pergaminhos essênios próximos a Qumran, à beira do
Mar Morto, muitos põem Jesus entre eles. Há quem o veja mais
belicista, um zelote libertário crucificado por Roma em sua luta por
independência – um Jesus mais Guevara.
A queda e a salvação
A injustiça, a fome, a miséria –
acumulam. Em tempos, implodem. O mundo parece que vai acabar. Há
momentos, no Novo Testamento, em que as personagens todas parecem
convictas de que o Apocalipse acontecerá em suas vidas, que está a
segundos. O Apocalipse quase foi. No ano de 66, os judeus se
levantaram sob comando zelote. Em 70, Roma caiu sobre a Província
Iudaea e marchou contra Jerusalém. No total, morreram entre 600.000
e 1,3 milhão de judeus.
O Beit HaMikdash, o Templo, a morada
de Deus, foi ao chão.
O São Marcos de Harold Bloom, numa
espera angustiada, queria saber notícias da morada do seu Deus
enquanto escrevia a história de Iesous Christos. Aí, num repente,
sua religião não havia mais. Sem o Templo, ela não seria possível. O
Templo lhe dava sentido. Sem o Templo não havia Deus – a não ser que
Deus fosse transferido.
Dois rabinos, está no Talmude, se
encontraram perante as ruínas do Templo. "O que será de nós" -
perguntou o mais jovem - "agora que o lugar onde os pecados de
Israel eram expurgados com sacrifícios não existe mais?" Ele está no
limite do desespero; o outro, tranqüilo. "Não fique triste, há outra
maneira de expurgá-los." Seu companheiro encerra o pranto, mira
estupefato – "é nos atos de bondade", explica o sábio.
A cultura ocidental se baseia num
tripé grego, romano e judeu. A transformação de Yehoshua bar Youssef
em Iesous Christos se deu porque, naquele momento da história, havia
uma busca desesperada pelo messias no que pareceu o fim dos tempos.
Mas, junto com a mensagem apocalíptica, outra mensagem veio
contrabandeada. Era uma idéia nova, de justiça social, de respeito.
As duas, compactas, ideal messiânico e o amai-vos uns aos outros,
transformaram-se num vírus cultural que se espalhou pelo Oriente
Médio e Europa.
Flávio Josefo, o historiador judeu,
era também um traidor. De general israelita, bandeou-se para o lado
romano. Quando entrou na Jerusalém arrasada, descreveu, "Não havia
espaço para tantas cruzes nem cruzes para tantos corpos".
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