Paulo Leminsk
19.
de ouvido
di vi
di do
entre
o
ver
&
o
vidro
du vi do
20.
sim
eu quis a prosa
essa deusa
só diz besteiras
fala das coisas
como se novas
não quis a prosa
apenas a idéia
uma idéia de prosa
em esperma de trova
um gozo
uma gosma
uma poesia porosa
21.
coração
PRA CIMA
escrito em baixo
FRÁGIL
22.
nada que o sol
não explique
tudo que a lua
mais chique
não tem chuva
que desbote essa flor
23.
o novo
não me choca mais
nada de novo
sob o sol
apenas o mesmo
ovo de sempre
choca o mesmo novo
24.
quatro dias sem te ver
e não mudaste nada
falta açúcar na limonada
me perdi da minha namorada
nadei nadei e não dei em nada
sempre o mesmo poeta de bosta
perdendo tempo com a humanidade
25.
um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada
depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um eluárd um ginsberg
por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores
26.
moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia
27.
ver
é dor
ouvir
é dor
ter
é dor
perder
é dor
só doer
não é dor
delícia
de experimentador
28.
o pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhodaputa
de fazer chover
em nosso piquenique
29.
cansei da frase polida
por anjos da cara pálida
palmeiras batendo palmas
ao passarem paradas
agora eu quero a pedrada
chuva de pedras palavras
distribuindo pauladas
30.
apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme
30.
ascenção apogeu e queda da vida paixão
e morte
do poeta enquanto ser que chora enquanto
chove lá fora e alguém canta
a última esperança da luz e pegar o primeiro trem
para muito além das serras que azulam no
horizonte
e o separam da aurora da sua vida
31.
Amor, então,
também acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
32.
HAI
Eis que nasce completo
e, ao morrer, morre germe,
o desejo, analfabeto,
de saber como reger-me,
ah, saber como me ajeito
para que eu seja quem fui,
eis o que nasce perfeito
e, ao crescer, diminui.
33.
KAI
Mínimo templo
para um deus pequeno,
aqui vos guarda,
em vez da dor que peno,
meu extremo anjo de vanguarda.
De que máscara
se gaba sua lástima,
de que vaga
se vangloria sua história,
saiba quem saiba.
A mim me basta
a sombra que se deixa,
o corpo que se afasta.
34.
as coisas estão pretas
uma chuva de estrelas
deixa no papel
esta poça de letras
35.
duas folhas na sandália
o outono
também quer andar
36.
nem toda hora
é obra
nem toda obra
é prima
algumas são mães
outras irmãs
algumas
clima
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