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Renata Pallottini 

rpallott@uol.com.br

Poussin, The Nurture of Bacchus

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Contos:


Fortuna crítica: 


Alguma notícia da autora:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

Michelangelo, Pietá

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

Renata Pallottini


 

Bio-bibliografia

Renata Pallottini nasceu em São Paulo, capital, a 20 de janeiro de 1931. Cursou Direito, Filosofia e Dramaturgia; escreveu e produziu trabalhos para teatro e televisão. Publicou, entre outros, os livros: A casa, Clube de Poesia, São Paulo, 1958; Coração americano, Editora Meta, São Paulo, 1976; Chão de palavras, Editora Círculo do Livro, São Paulo, 1977; Noite afora, São Paulo, 1978; e Obra poética, Editora Hucitec, São Paulo, 1995. Coordenou e participou da Anthologie de la poésie brésilienne, Editions Chandeigne, Paris, 1998, que reuniu quatro séculos da nossa história literária.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

 

Renata Pallottini


 

Primeiro Foi a Noite


"No princípio criou Deus o céu e a terra.
Gênesis, 1:1


Primeiro foi a noite. E a noite feita,
desta engendrou-se a luz, julgada boa.
Depois, fez-se o agudo desespero do céu.
E a terra. E as águas separadas.

E um mar se fez, da lúcida colheita
das águas inferiores. A coroa
tornou-se firmamento. "Haja luzeiros" —
ordenou-se às estrelas debulhadas.

Houve flores estáticas e flores
que procuravam flores; e houve a fome
de carne e amor e dessa fome as dores

e das dores o Homem. Deste, esquiva,
toda fome, sua fêmea, e no seu sexo,
mais uma vez a noite primitiva.
 

 

 

 

Octavio Paz, Nobel

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Irineu Volpato

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

 

 

 

Renata Pallottini


 

Por Ti Deixei


"Portanto, deixa o homem
a seu pai e a sua mãe,
e se une a sua mulher;
e são uma só carne."
Gênesis, 2:24


Por ti deixei, do meu rebanho lento
a alva timidez; da minha casa
o fogo acolhedor tornado brasa
e a brasa morta transformada em pranto.

Das mãos de minha mãe ficou-me o manto,
da boca de meu pai restou-me a frase
e estes meus olhos são cisternas rasas
onde à tardinha vem beber o vento.

Ponho a teus pés o meu desejo triste
que se renova numa força eterna,
e te ofereço uma fraqueza a mais;

pedaço do meu tronco que partiste,
carne, que foste um pouco de meu cerne!
À minha própria carne tornarás.
 

 

 

 

Da Vinci, Homem vitruviano

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Foed Castro Chammas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

 

 

 

 

Renata Pallottini


 

O Pão Amargo


"Ela foi sentar-se em frente dele a boa distância,
como a de um tiro de arco;
pois disse:
que não veja eu a morte do menino.
Sentada em frente dele,
levantou sua voz e chorou."
Gênesis, 21:16


O pão amargo e a água consumada
do odre seco em cáustico deserto;
sob o mirrado arbusto a esquiva sombra
se nega pela areia e é como um rastro.

Sem planta fresca, a fruta apetecida
traz a longínqua fixação do incerto;
quando a brasa arenosa for alfombra
tornar-se-á carícia o fogo do astro.

Para a criança adormecida ao braço
o olhar alonga, e faz como se fosse
para nos olhos tê-la, traço a traço.

Lembrando a noite aquela e a face gêmea
que lhe roçara a face em mágoa doce,
a escrava chora a condição de fêmea.


 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

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Lau Siqueira

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Renata Pallottini


 

O Cântaro


"Então, Jacó beijou Raquel e,
levantando a voz,
chorou."
Gênesis, 20: l l


O cântaro poreja a água amena
que do poço brotou, e adoça a areia
e que corre nos ombros, e que enleia
pelas espáduas seu frescor moreno.

O lácteo manto que uma brisa ondeia
desenha formas, cujo talho apenas
a tamareira imita, a flor receia,
o vento afaga e a solidão serena.

Vê-la é um momento, desejá-la um sopro,
ouvir-lhe a voz uma doçura eleita,
roçar-lhe a fronte uma revelação.

O amante, incertas mãos, trêmulo corpo,
beija-lhe os olhos, cuja flor desfeita
catorze anos de vida pagarão.

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Yeda

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Luís Antonio Cajazeira Ramos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Renata Pallottini


 

Quando os Céus se Cerrarem


"ouve tu então nos céus e perdoa
o pecado do teu povo Israel
e torna a levá-lo à terra
que tens dado a seus pais.
I Reis, 8:34


Quando os céus se cerrarem, não por seca,
mas por extrema dor, sobre o teu povo,
que pecou contra ti e ainda peca
e pecará, o mísero, de novo,

e houver fome na terra, não de trigo
ou de carne, mas fome de ternura,
para estancar a fúria do inimigo
e a sua enorme e súbita loucura,

ouve do céu, Senhor, ouve e perdoa:
a gente que ontem fez a tua casa
e a fez grandiosa, e a fez dourada e boa

hoje, expulsa do Anjo e de sua asa,
entrepara e pergunta, se esqueceste:
para que herança, ó Deus, nos elegeste?

 

 

 

Valdir Rocha, Fui eu

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Barros Pinho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Renata Pallottini


 

Esta Canção


"aquilo que é, já foi;
e aquilo que há de ser já foi;
Deus fará vir outra vez o que já se passou."
Eclesiastes, 3:15


Esta canção rateia a tarde clara
buscando a minha voz que é sua fonte.
Assim voltam os pássaros ao campo,
assim volta o horizonte ao horizonte.

Sou o doido que canta para si,
cônscio de não saber nem do que inventa;
recriando o criado, ele sorri,
ciente de que não faz nem acrescenta.

Tudo já foi, apenas se repete;
este lugar de amor será pregresso
quando for dor a dor que se promete.

Chegou-me agora o que já foi futuro;
assim Deus me prepara o teu regresso
como se planta um poema nascituro.

 

 

 

Hélio Rola

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Miguel Sanches Neto, 2002

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Renata Pallottini


 

Por Vós, Senhora


"o meu hálito se fez estranho a minha mulher..."
Jó, 19:17


Por vós, Senhora, dei o quanto hei dado:
minha parcela de aflição, incertas
as minhas tíbias mãos, no entanto abertas;
as flores e os afetos consumados.

Também por vós hei sido o quanto hei sido:
regato de cautela, pensamento
por vós pensado, inquieto tempo havido
por vós enlouquecido em sentimento.

Tudo isso é nada, agora que voltastes
a tudo o que vos dei e fiz, as frias
espigas do desprezo e as duras hastes

do tédio. Agora é nada o amor passado
em vós, jamais em mim, que vos daria
Senhora, uma vez mais, o quanto hei dado,

 

 

 

Culpa

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Domi Chirongo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

 

 

 

 

 

Renata Pallottini


 

Salvo...


Salvo
a falácia da queda e o seu após
nada tenho a constatar
do que caiu sobre nós.
Digo-te qual suponho:
o que passou, passou.
Não ponho sobre ti o peso do meu sonho,
nem do que velo, nem do que findou.
Salvo a falácia do erro
tudo o mais fui eu:
quem nasceu e se pôs de pé,
quem cresceu e não cresceu,
quem humilhou e perdoou,
quem finalmente morreu

e hoje chora ao pé da cova
pelo dorido do que aconteceu.

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Luciano Maia