Pedro Nicácio
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PEDRO NICÁCIO nasceu em Maceió (AL), em 28 de maio de 1953. Graduado em Letras e Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. É funcionário do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, onde exerce a função de assistente de juiz. Obteve o 3º lugar no I Concurso de Poesias promovido, em 1994, pelo Centro Cultural Paulo Cabral de Melo, do referido Tribunal, com o poema "Novembro", sendo incluídos, também, mais três poemas seus no livro "Coletânea Poética", coordenado pelo mesmo Centro (Edições Bagaço), 1994. Participou da “Coletânea Caeté do Poema Alagoano”, Maceió, 1987. 3º lugar com o poema "O Novelo", no Concurso de Poesias do 3º Festival de Verão de Marechal Deodoro (AL), em 1973. Lecionou Português em diversas escolas de Recife, cidade que  adotou como segunda terra natal em 1974. Escreve poesia e crônica. Tem publicado seu trabalho em diversos jornais e revistas locais.

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DOIS 

- I -
Desconstituir
Casar
Construir família

Criar filhos
Trancafiados
Em portões 

Flats
Palácios
Urnas banais

Seqüestros
Micros
Televisões

Dar de comer
Ofegante
Crescer

Beijos
Abraços
De compromisso

Nervosas
Egoístas
Despedidas

Domésticos
Submissos
Animais ariscos.

- II -
Dar e comer
Depois
Arfante

Sob ponte
Palafita
Escusa luz 

A bocas
Corpos
Nus de verdade

Só a rua
Do desejo
Conduz

Liberdade
Em chamas
Com rapazes

Chics
Pobres 
Cafuçus 

Seus filhos
Bebês
Vorazes

Soltos 
Na vida
Também de capuz.



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Teatro

Quase não cabia em si

o desejo de beijar-lhe

a boca.

Abriu a porta do automóvel

e ficou ali, impassível,

na poltrona.

As coxas abertas

na calça apertada, delineando,

explicitamente,

as formas protuberantes,

convidavam-no os braços,

o nariz, a boca, o sexo:

graça de anjo

enleado em sono,

derramado no banco da praça.

Seu momento de verdade

transformou-se

ao pressentir os escolares.

Retomou o ar de estátua

e pôs-se, novamente, a carregar

seu fardo.

Agora, era a dor

da postura, do paletó,

de ser pai, do ofício de juiz, 

patrono da morte,

o recurso para sua personagem.


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YIN-YANG
 

Detrás da barba ou do bigode
A mulher
Se escondendo
Estar
Pode

Pode
Estar
Se escondendo
O homem
Detrás do blush lobisomem


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Washington, 1977, Snake
 

Top secret.
Ordem de serviço,
by telex,
no quadro
do Laboratório Justex.
Setor Sub-Raças.

URGENTE vg
CRIAR VÍRUS
ASSEGURE VENDA
VÊNUS ENVELOPES pt
DETER AÇÃO EROS
EM FAVOR THÁNATOS pt

Sôfregos, bêbados,
esquecidos da camisa
(de Vênus beijando Thánatos),
trustes transam
putas negras 
e michês latinos.

       Recife, 1982


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DESATE (EM PASOLINI)
 
 

Estavam os dois

perdidos no tempo

envolvidos pelo beijo.

Apertavam-nos

os braços da escuridão

que se expandia no automóvel.

Ajoelhado, tocou com a língua

a glande em flor esmaltada

exaltando sua beleza

enquanto as mãos dele

comprimiam seu pênis.

Depois, em meio a sorrisos,

ainda surpresos pelo encontro

tomaram um do outro as mãos rudes

combinando com as luzes

dos automóveis, que chispavam ao lado,

os seus afagos ruidosos.

Trêmulo, o outro sacou do revólver 

e mudou o ar do rosto 

em espanto e fúria

ante seus olhos já tristes.

O que sobrava do ato de amor

dissolvido pela ecoline

do crepúsculo da alma

era apenas o desate do encontro.

Entre os dois 

o revólver 

falava pela inquisição da família

da escola, da comunhão dos santos padres

e da miséria 

em que mergulhou o país.

O revólver

assaltava-lhe

as palavras.

No silêncio do seu gesto

os gritos dos nossos

congêneres, convivas

compadres, conflitos,

para quem tal espécie de amor

lava-se e desmancha-se com grana

e, no final, até com bala.


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    ENCONTRO MARCADO
 

Ao afrouxar a gravata
e descer as escadas
do ministério,
ansiava o aguardasse
quem lhe penetrara a carne,
plantando uma flor
no pálido Planalto,
imersa em ar condicionado.

Onde andaria,
por que plagas desfilava
sua solta beleza domingueira?
Tê-lo-ia sorvido o mar,
reclamando-lhe a desfaçatez
de hipocampo?
Ou iniciara um amor romântico
sem os complicados segredos
da democracia absoluta?

Pressuroso,
com a alma trêmula,
recompôs a gravata,
ajeitou o cabelo
desalinhado pelo vento
e tomou a negra
limusine para a mansão.

Seu conforto traduzia
A manhã seguinte
numa Alvorada
de papéis a carimbar,
prolações de sentenças
de morte
contra o desejo,
restaurações
burocráticas
da crise econômica.


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cafuçu.com.br


       A Zé Carlos,  Xavier, 
Jomard 
e Plínio Marcos 


(in)site pós-fim-do-mundo
Gerou-se dos que disputam
Mamadeira, faca, bala
Com baratas, pernilongos
Cangalexéus advindos
De depois do fim de tudo
Indefectíveis monstros
Virtuais e invasivos

Derivam-se os k-bytes
Destes vossos olhos ávidos
Cheios de ódio e medo
No ninho da vossa serpente
Em poltrona confortável
Protegida por paredes
Ou mesmo de  vossos carros
Que desfilam estes alqueires 

Please, don’t care, entretanto,
You always can pay cash
Mesmo que seja em peseta
Ou demais cartões descrédito
Via internet, muamba
Pistolas eletrônicas
Valem chips de algibeira
Conta na fétida web 

Cueca de grife falsa
Um blusão stone washed
Perfume barato de feira
Vos faz credor de uma foda
Uma loura bem gelada
Uma simples cafungada 
Mais ainda vosso gozo
Paga a nossa brincadeira

Fazemos diariamente 
A ponte aérea da vida
Útero – Calçada – Jaula
É a nossa trajetória
Não nos ofende amiúde
Desviar a nossa rota
Do meio-fio à sarjeta
O que não mata entorna

Escala na escola craque
Navalha na Carne rija
Aurora mal esboçada
No quadrado dos escroques
Amorcegar paralamas
Navegar sobre o metrô
Só entorpecem a imagem
Nosso bolso não engorda

    Na lã macia do asfalto 
Fervente em que pisamos
Dê-nos coca, cola a vida
No paredão proibido
Por um tubo que escondemos 
Tontos escafandristas
Ofegantes no buraco 
Da nossa rota camisa

É apenas um instante
De alimento indecente
Comida de brinquedo
No asfalto fumegante
Qual nossa lida estanque
Tal qual a Globo anuncia
Brinquedo, comer poesia
Com nossos olhos dormentes

Da senzala até a favela
Até que não custou caro
Foi apenas a passagem
Por grandes túneis de barro
Da noite fomos escravos
Escravos somos do dia
Do ferro sem serventia
Desta moeda minguada

O tronco podre esquecido
De que nascemos um dia
Fundou  nosso cris-du-chat
Nosso ar beneditino
Gatos, pois, mimetizados
Atraímos cães famintos
Perdidos lobos notívagos
Que permeiam o Central Park

Pente-barata no bolso
Estofada hegemonia 
Nosso enorme mouse-pad
Exibe-se por uns miúdos
Pede o CD-rom ferro
Uns trocados no criado-mudo
Ao lado do CD-player
Tocando aos berros “Bad”
 

Filhos de Billy Jean
De quem Michael vos diria
She claims I’m the one 
But the kid is not my son
Mas por certo adoraria
Poder ninar-nos infantes
Na elegante gelosia
Com a máscara do hierofante

Nosso velho Doce Abutre
Da Juventude perdida
Bica-nos o pouco fígado
Que nos resta nessa intriga
Ata-nos a essa pedra
Mesmo ebúrneo achado guenzo
Que deu a Firenzi um dia
O santo que matou Golias

Já que somos catedráticos
Na universidade vida
Fazemos qualquer negócio 
Da noite pro vosso deleite
Subtraímos a culpa
Da vossa vida de ócio
Da vossa briga com o medo
Compadres, nossos fregueses

Somos séquito fiel
Servis tropas zulus
De reis sem cetro ou coroa
Sem algemas, cafuçus
Só a sorte é nosso lema
Nosso emblema ter-vos nus
Ainda de quarentena
Suportamos vosso pus

Mesmo que vosso esquema
Não inclua aratus como tema
Tendes que agüentar
Psoríase em nossa pá
Da sífilis somente a marquinha
Na coxa da aratuzinha
Que esquenta o nosso colo
Deitai, gozai, deixai pra lá

Nós, os malditos frutos
Do vosso ventre cobiça
No leito pujante de esgares
Alheios a toda malícia
Vos prometemos delícia
Vinagre aos que têm sede
Aos pés da cruz  vossa rede
Em vossos pés nosso altar
 

Não dessas redes de intriga
Redes ricas de varandas
Queremos saber do amor
Esta pérola escondida
Sob o lixo do desejo
Sob o ícone arrogante
Sob a paz do vosso lar
Forjamos nossa Guernica

Nosso sonho é pouco, embora,
Obter vossa licença
Sorriso ao chamar-vos tios
Carona em vossa chacina
Poder vender balas vadias
Mesmo que balas de chumbo
No sinal fechado ao dia
No molde do mundo de agora

Deflagrar balas de sonho
Por tesouro reluzente
E taciturnos deitarmos
Em vossa higidez doente
Acordar em grande estilo
Comer tâmara, escovar dente 
Tomarmos o mundo nas mãos
E atirá-lo ao poente 

Good morning, novo milênio
Alons enfants de puterie,
Gutten nacht, século vinte,
A favela vos espia
De vossos filhos e netos
Seremos mestres um dia
Eis de pé a vossa cria
A guarnecer e parir

Nós, os novos Colombos,
Entraremos de helicóptero
Ou mesmo de coleóptero
Vosso lombo de marfim
Vosso módulo arredio
Será finalmente domado
Instauraremos a paz
Com munição chinfrim

Com unhas de guaiamum
Marcharemos na calçada 
da fama com nossa lama
Com nosso peito comum
De Schwarzenegger anum
Encenaremos soberbos
Anjos exterminadores
Da tristeza de cada um

E quando, ao despertardes,
Não reconhecerdes tardes
Erva daninha, ser  vivo
Ou outros bichos daqui
Lembrai que em nada difere 
O terno de linho cage
Da lama do overcoat
Sobre esta home page

Agora e bem na hora 
Da nossa morte calada
   Quando todos já vislumbram 
     Que sunt mala quae libas
Vinho e pão via internet
Em nome da nossa amizade
Por fim serão servidos
Ipse venena bibas

        É vã ilusão pensar
     Que o mundo não acabou
Deletamos vossos campos
Imagem estrada dor
Corpo emoção altruísta
Altura, saber, vigor
Viagens ao firmamento
Fomes, aids, East Timor

Queremos somente foder
Vosso ponto reluzente
Um cu de lume que pisca
Na escuridão do poente
Não suportamos migalhas
Nem o nome de dementes
Aguardar debaixo da ponte
Vossos restos de doentes

Queremos o vosso amor
Definitivamente
Não só um canto na sala
Estes míseros instantes
Comecemos do nascente?
Esqueçamos nossas tralhas?
Plantemos nossa semente?
Desterremos as mortalhas?

   Aflitos, 14.12.1999


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