À BEIRA MAR
Da ist nicht, was den Menschen entsetzen
( SCHILLER )- “Die Braut von Messina
A noite desce torva ... ao longe mais se apaga,
Na glauca escuridão boiando, o sol que morre;
Das bordas do horizonte aos escarcéus da plaga,
Fosforeando o abismo um calafrio corre.
Em leque se irradiam as pulsações sangrentas
Da luz crepuscular, que a bruma afoga. Irada,
Na sombra sacudindo as crinas alvacentas,
Revolta-se a mareta ao sopro da lufada.
Espadando espuma, hercúlea a esmigalhar
O peito contra a pedra, a onda avança, enorme...
Creba ressaca estoura. Ó placidez ! Ó calma !
Eu zombo desta fúria ! Em vão bravejas, mar !
É mais feroz a dor que no meu peito dorme !
Mais forte é a paixão que me referve n’alma. !
Janeiro de 1890 -
Farol da Barra
23
IMPAVIDUS
(MARINHA)
A MÁRIO DE LAVEZZARI
(Pseudônimo do Pai do Autor
Francisco Moniz Barreto de Aragão )
Como leões , num furibundo salto
Dos vagalhões a cáfila teimosa,
Da enorme penedia majestosa,
Babando galga o dorso de basalto
Eis que tudo se cala, pára o assalto,
Agacha-se a mareta rancorosa;
Vencida, corre atrás, porém raivosa,
É de costas que foge olhando o alto
Baluarte que espera calmamente;
Recua mais, recua e de repente,
Parte co’a cega rapidez da bala,
De encontro á pedra que deste ódio zomba.
Forceja espumejando, em vão ribomba :
A rocha imperturbável não se abala !
1898
A GAIVOTA
( Paráfrase )
A água imota,
Clara e fria
Já denota
Calmaria;
A gaivota,
Que assobia,
Vai de rota
Fugidia
Simulando
Num vôo lento
E perplexo
Um acento
Circunflexo
Perpassando
1898
MARINHA
Desce a noite enrolada em brumas hibernais...
Trágica solidão, vago instante sombrio,
Em que, tonto de medo o olhar não sabe mais
Onde começa o mar e onde acaba o navio
Nem o arfar de uma vaga : o mar parece um rio
De óleo; oxidado o céu de nuvens colossais,
Um zimbório de chumbo acaçapado e frio,
Escondendo no bojo a alma dos temporais.
Nem das águas no espelho o reflexo de um astro...
Apenas o farol, no vértice do mastro
Rubra pupila, a arder, dentro de uma garoa...
E lá vai o navio , espectral, lento e lento,
Como um negro vampiro, enorme sonolento,
Pairando sobre um caos de tênebras, à toa.
PINTURA A ÓLEO
(Marinha)
Contra a rocha que sempre impávida se apruma,
A onda sempre a bater, como um trovão
detona;
Sangra o Sol moribundo; a montanha se esfuma;
Vem a Lua a boiar dos vagalhões à
tona.
Do horizonte na escura e formidável zona
Entra, lento, um navio amortalhado em bruma;
A água do mar parece uma verde amazona,
Sacudindo na treva o seu cocar de espuma.
As palmeiras têm medo! Ao furibundo açoite
Do nordeste, no azul, vão-se acendendo
as brasas
Dos astros, metralhando o veludo da noite.
Uma gaivota a piar, como lúgubre harfangue,
Lá foge barra fora, abrindo as grandes
asas
Que o último olhar do sol mosqueia de
ouro e sangue...
1902
este poema [pintura a óleo] foi remetido por
Walter Cid
os demais, por
Antônio
Paulo Góes de Araújo
O MAR ESTÁ COM FOME
Ao meu velho Amigo e Mestre
Dr. Odorico Otávio Odilon
O mar amanheceu de mau humor,
Estranhas ameaças rebusnando ;
Babando as praias, cheio de rancor,
Como d’hienas um raivoso bando...
As sobrancelhas franze de negror...
Nuvens lhe vão o dorso escameando;
Desde alta noite que um feral tambor
Anda na treva bárbaro rufando...
Sair não pode o sol... a tempestade
Cedo o prendeu num cárcere de brumas
Pesada noite, céus e terra invade !...
Sobre das ondas uma voz sem nome,
Abre-se goela branca das espumas...
Homens ! fugi ! ...O mar está com fome !...
1903
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