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Rita Cruz


 

Carta 2

 

Barbusse, ainda é inverno aqui no Brasil, mas em mim faz mais calor que no Saara ao meio-dia.
Nem as esquinas cinzas de São Paulo esfriam os meus ânimos. É um turbilhão de coisas que me violetam sem deixar pistas.
Falar contigo tem me aliviado um pouco, sabe? Mas só um pouco.
Eu ainda estou nos porões dos meus sentimentos, tentando colocar a minha cabeça onde está o meu coração, mas essa tarefa me custa o tudo de mim e eu prefiro, assim como Álvaro, deixar para depois.
Por ora, gosto de pensar que em breve estarei longe daqui, mesmo que isso não se cumpra. Gosto de imaginar as capitais frenéticas desse mundo e de como eu me comportaria diante dessa novidade.
Alimento-me das suas histórias, e agora com as da Alline.
Ela está bem e tem escrito com freqüência. Nas suas correspondências eletrônicas, sinto falta daquele brilho nos olhos que magicamente conseguimos ler nas palavras duras da tela de um computador, mas sei que ela está bem. Ela está procurando o lugar da felicidade e isso irá lhe custar ainda algumas lágrimas, como nós sabemos.
Mas, o importante é que ela está lá e nenhum Partido Sem escrúpulos Do Brasil vai lhe atingir.
Você também está em voltas consigo mesmo atrás da paz de espírito e de um cachorro engarrafado no final do dia.
Não posso mais te oferecer minha companhia para juntos desfrutarmos dessas regalias da vida seladas com charutos cubanos ou cigarros do Che, mas ainda tenho prazer em sentar no BH e abrir uma cerveja pensando em nossas conversas de outrora.
Tenho ouvido dizer que você anda tenso e nervoso, brigando com todo mundo.
Isso mesmo, Barbusse! Nunca conheci quem gostasse de levar porrada.
Plagiando o meu amigo, todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. Exceto você. E é por isso que eu me identifico tanto contigo, Barbusse.
Porque “eu, tantas vezes reles, tantas vezes vil. Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita. Indesculpavelmente suja. Eu, que tantas vezes tenho sido ridícula, absurda. Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, que tenho sido grotesca, mesquinha, submissa e arrogante, que tenho sofrido enxovalhos e calada, e que quando não tenho calado, tenho sido mais ridícula ainda... Eu, que venho sido vil, literalmente vil. Vil no sentido mesquinho e infame da vileza” sou como você.
Não se cale. Se revolte (principalmente com a colocação pronominal) Onde já se viu ter de pensar nisso quando o coração está inflamado a ponto de romper?
Thiago, meu velho e novo amigo... vivo das suas novidades e só. Começo acreditar que só elas me bastam. Nada mais é preciso para ser feliz.
Se queres dar porrada, que dê. Se queres apanhar, que apanhes. Se queres matar ou morrer, que o faças, mas não deixe de nos contar. Não deixe de nos alimentar com os ruídos da sua vida estranha.
Não nos poupe do barulho infernal que assola a nossa janela dizendo que “é só o vento, e nada mais”.
Despeço-me aconselhando-te mais uma vez: ocupe-se em ser mais forte. Ocupe-se em ser mais. Ocupe-se em ser. Ocupe-se.
Rita

 

 

 

 

 

16.10.2006