Rodrigo Marques
As orações de Carlos Nóbrega
[in Jornal OPOVO, 17.06.2005]
O Breviário, título de Carlos Nóbrega, cearense de Fortaleza,
lançado em 2003 e ganhador do XVI Prêmio Emílio Moura de Poesia
O bom de um breviário é que podemos
abri-lo a qualquer tempo e em qualquer página, ler uma oração e
guardar. E o Breviário, título de Carlos Nóbrega, cearense de
Fortaleza, lançado em 2003 e ganhador do XVI Prêmio Emílio Moura de
Poesia, assume-se desta mesma bondade: na rede, na fila ou na
calçada, poemas curtos, a deixar na gente uma saudade distante.
Quem ainda cultiva orações ou mantras
sabe disto: as orações mexem com o corpo, repetimo-las só pelo gosto
de vê-las estalando na boca e nem nos atentamos muito a seu
significado. Há em Carlos Nóbrega um retorno a esta qualidade
primitiva da poesia: a de ser um pensamento lúdico, translúcido e
ritmado, como os provérbios, as epigramas, os enigmas e as
ladainhas, tal qual fizeram Orides Fontela, Mário Quintana e Cecília
Meireles. Basta abrir nas páginas dos poemas ''O Deserto'' (Nenhuma/
sombra/ que justifique/ o sol); ''Invariação'' (Vida vária/ ao puro
ar/é a asfixia/ do peixe) e ''Da primavera'' (Qualquer semente/ leva
setembro/ por dentro) para sentirmos o silêncio que guardamos de
nosso passado imemorial.
Por vezes e, sobretudo, no livro
anterior, Outros Poemas (1999), a poesia de Nóbrega caminha nos
estrados da narrativa, aproximando-se da crônica, como no belo poema
''Terém''. São cenas do cotidiano da cidade de Fortaleza que se
misturam à memória afetiva do poeta, como se duas telas deslizassem
uma para dentro da outra: a tela coletiva da cidade (suas ruas, suas
praças, seu clima) e a tela pessoal e familiar de um de seus
moradores. Desta mistura, desabotoa-se o subúrbio de Fortaleza, com
suas gentes na calçada, seus vendedores de peixe preto ou de frutas
em carrinhos de mão, seus mendigos, seus gatos de rua, sua poesia já
um tanto entulhada pelos novos prédios e pelas avenidas cada vez
mais caudalosas.
A sedimentar este roteiro, o poeta
recorta o discurso filosófico com poesia, ironia e humor, propondo
uma forma diferente de observar as coisas, os animais, a História e
os objetos. Assim ele observa uma joaninha reencarnada em uma
colherinha-de-café ou reconhece no andar lento do cágado a passagem
do ponteiro das horas ou discorda veemente do poeta de Zaratustra em
''A vida sem música seria um erro Nietzsche''.
É pena que os moradores de Fortaleza
passem despercebidos por esta poesia, muito por culpa também do
próprio autor, que não tem lá muitos cuidados com as edições de seus
livros (sem indicação de editora, sem ISBN, sem paratextos, sem
distribuição), de modo que esta resenha também é uma carta aberta a
Carlos Nóbrega: onde posso adquirir seus livros?
Publicou também Sono Solto (1988) e
Outros Poemas (2000), e ganhou alguns prêmios literários: I Prêmio
Cidade de Fortaleza (1988), Prêmio Estado Ceará de Literatura (1993)
e Prêmio Osmundo Pontes da Academia Cearense de Letras (1995).
''Vida vária/ ao puro ar/é a asfixia/ do
peixe'', poema Invariação, do livro Breviário, do poeta cearense
Carlos Nóbrega
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