Estava no escritório de Soares
Feitosa quando o correio chegou com o livro Recordel de
Virgílio Maia. Vi Feitosa abrindo o envelope e
retirando estranho papel
de couro de bode, leu para mim o pedido de prefácio. Em seguida
passou os dedos curtos por sobre a textura do couro e abriu a esmo
o livro de Virgílio:
O dia vai começando
e diante d’Ele me calo.
No seio da escuridão
se escuta assim um abalo:
toda a caatinga estremece,
pois mais parece uma prece
o primo cantar do galo.
"Tem-se que ter sorte ao abrir um
livro - disseram-me".
O livro ficou por alguns dias no
escritório, mas logo desapareceu. Passado um mês - mais ou menos,
Recordel retornou sob a forma de Estudos & Catálogos -
Mãos, contendo quase tudo que, durante o tempo em que
trabalhei no escritório, comentamos (eu, Feitosa e o advogado
Rogério Lima): o júbilo, a matança do porco, as mãos, a festa, o
cururu, a poesia, a festa, o retorno do filho pródigo, a festa.
A minha primeira impressão foi de
achar que tudo pode e deve ser escrito, pois o texto de SF,
pensando bem, não passa de uma lista, mas disposta de uma forma
tal que o leitor não deixa de revisitar o seu catálogo pessoal,
suas recordações, seus estudos. Logo, tudo pode ser escrito,
desde quê...
Fui o primeiro (acredito) a ler o
texto em voz alta, iniciando, naquele instante, o debate vivo que
se pode ver no livro-prefácio Estudos & Catálogos - Mãos,
primeiro rebento das Edições Cururu, que se ganha, de
repente, pelo correio ou pela Internet.
Com o circuito de comentários e com
a distribuição artesanal, Feitosa conseguiu resolver o problema do
livro de Virgílio: o de ser apenas um. Com o prefácio, Recordel
tornou-se duplo; com os comentários, triplo; com o Jornal de
Poesia, sem margens.
Só a Arte, Sr. Leitor, só a Arte!
Rodrigo Marques