Rodrigues Marques
A vingança
Sentou-se no sofá um tanto duro, mas
bonito, e ficou impassível durante muito tempo. Viu ao alcance da
mão uma caixa de charutos quase completa e retirou um para o vício
que não tinha. Não achando o cinzeiro sobre a mesinha de mármore,
começou a atirar cinza na escarradeira de porcelana e, depois, pelo
soalho em volta, indistintamente. À sua frente, um enorme retrato
amarelado de um senhor segurando a curva de um guarda-chuva, ao
invés de uma bengala, que seria mais decente e o costume.
Levantou-se e seus sapatos estavam
acostumados ao próprio ranger. Rodou pelo salão imenso, onde
candelabros de cristal quase roçavam em sua cabeça calva. Desceu a
pequena escada do alpendre e percorreu o jardim, onde as saúvas
cruzavam, ocupadas em longas passeatas. Colheu uma rosa amarela que
ainda havia e, voltando ao salão, atirou a flor no chão e esmagou-a
com o sapato do bico fino enlameado de terra vermelha.
Tornou num segundo ao mesmo sofá e sua
vista rumou para o retrato antigo de olhos tão inexpressivos. Há
anos havia um espelho de grandes proporções na parede e de forma
indecifrável. Não se lembrava se fora ele que o mandara retirar ou
quem. A verdade é que sem o espelho na parede ficara sua marca
impressa pelo tempo.
Levantou-se e deu longas voltas pelo
salão. Passou o dedo indicador para constatar se havia poeira na
cristaleira: tinha. Soprou dos cristais a poeira. Balançou a cabeça
com seu ar de imposição. Tinha que reconhecer: nos tempos idos, era
um brilho aquele palacete. Perguntara, naquela noite antiquíssima :
— Foi jogatina ou mulheres?
O outro respondera:
— Nem uma coisa, nem outra.
— Jogatina faz crescer a ganância;
mulheres, a cegueira da volúpia e o seu próprio limite. Se você
tivesse seguido meu exemplo, ainda podia ter aquelas fazendas, por
onde os animais passavam semanas e não alcançavam o fim.
Ele baixou a cabeça e o orgulho. O
outro olhou-o como se o visse de cima.
Depois destas palavras, subiu os
degraus que davam ao banheiro, fingindo uma necessidade. O outro o
acompanhou a poucos degraus de distância, lembrando que por aquele
corrimão, quando crianças, desciam lustrando a madeira com os
fundilhos de suas calças.
Quando o outro saiu do banheiro,
perguntara, novamente:
Foi jogatina ou as mulheres que
acabaram com a dinheirama que lhe emprestei?
— Nem uma, nem outra
— Pois me diga a razão.
Ele riu, afundado numa pergunta que
não tinha resposta.
O outro meteu a mão por baixo do
colete, tirou uma arma e apertou o gatilho umas seis vezes.
No final da escada – os olhos
esbugalhados – o amigo disse, irônico:
— Minha vingança é que você nem usou,
nem nunca vai usar um brinco vindo do oriente.
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