Sandra Regina S. Baldessin
Dos poemas líquidos de José
Geraldo Neres
“só me resta sentir o ritmo &
mergulhar no som das palavras
grito revela o paladar-líquido
do orvalho-carne
moldura debruçada no cálice da música
cântico das águas“.
José Geraldo Neres
Ambrosia
Ambrosia é todo líquido: a palavra
poética surge líquida, pois quer a possibilidade de ser bebida, quer
a possibilidade de embeber, seja em perfume, em lágrimas, em suor,
no oceano, na lava e no orvalho, enfim, embeber o corpo/deserto em
“gotas insanas”, na busca do deleite que já se sabe de antemão que é
insaciável. É um mergulho na musicalidade: “com tranças de
árvore/teço um balanço/e bailo nas estrelas/a ciranda dos sonhos”;
esses versos demonstram a busca desse ritmo que envolve
homem/mulher/natureza na eterna ciranda. Uma poética afetiva, que
brota das entranhas líquidas do poeta e que não recusa as invasões
do desejo no texto: “(...) no ventre/do centauro negro/flecha
umedecida/na aurora boreal”.
O texto pressupõe o mergulho nas águas
da poesia, pressupõe a embriaguez no cálice do corpo que se fez
palavra.
Se considero três dimensões básicas
para fruir os poemas: dimensão da sonoridade, dimensão da imagem e
dimensão do conceito, observo que a construção textual foi elaborada
para valorizar, sobretudo, o ritmo; isso me agrada muito, pois
poesia é grito primal, que não se preocupa em articular sentidos (o
leitor que os encontre), mas articula a voz, o tom, marcando-os com
intensa sensorialidade, como revela muito bem o poema “Ermo”, que
aguça o nosso paladar com a expressão “temporal de saquê”.
Gosto da poesia que cativa os meus
sentidos, palatável, olfatável, tátil. Uma poesia que invade as vias
de acesso ao meu corpo: olhos, poros, nariz, boca, ouvidos.
Ambrosia consegue isso.
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