Silas Corrêa Leite
O Artesanato de Enfados do Poeta
Antonio Mariano
O poeta é semelhante ao príncipe do céu/Que
do arqueiro se ri e da tormenta no ar/Exilado
na terra e em meio ao escarcéu/As asas de gi-
gante impedem-no de voar...
(As Flores do Mal, 1857, Baudelaire)
A poesia de Antonio Mariano mostra o
criador torneando seus incontáveis sentidos no artesanato de seus
líricos enfados que são pretéritos, dispersos, desorientações e
desjardins. “Tenho o feeling das pedras/Ao sabor do mar” belamente
canta Antonio Mariano, cabendo a ele sim, poeta de rara beleza,
mostrar cada poema – a novidade – de estar vivo e respirar pela
lâmina goiva de sua sensibilidade. O tear de sua solidão-cangalha,
de sua solidão-albatroz?
A faca cega que acorda a palavra? A
faca cega que orna dialéticas de próprio punho-prumo-(prisma).
Nota-se a sua “construção de águas”, tocando o intocável, remando –
a palo seco – contra uma noite indizível, um “de-quê” de si trazido
à tona, quase navegações – alma nau? - vertentes, vertentos,
aquários, chuvas que não se guardam num guarda-chuvas, portanto, o
escrever é não esquecer, antes recontemplar-se. Lembrar dói? Existir
dói. Aliás, “Existir a que será que se destina?.” Caetano Veloso
dava sua pinceladas.
O poeta fazendo poemas, mostra a sua
língua? Visceral, epigramático, na verdade Antonio Mariano funda a
sua construção do eu de si, na poesia. Antonin Artaud disse “Aceitar
arder como tenho ardido em toda a minha vida”. Esse é Antonio
Mariano que não perdeu a sua lã-lãmina estética e
poético-filosófica.
“Toda lágrima é lacre” diz ele (Poema
Vazante.) Olha a lágrima aí. Poeta de águas que calam fundo, falam
fundo, ele mesmo em seu poetar lágrimas, sais, rumos, travessias,
fundeando (lastro) na âncora da competência poética. Naufrágios
decifráveis nas palavras ou pedras paralelas, para elos? E tome
poesia!
A partitura poética na alma de quem
tem olho ferino (ferindo) e fere-se no olhar, retraduzindo o vivível
pela arte lítero-poética. Enfados no entorno. Elenco de
desorientações que assim procuram a pedra de toque da criatividade,
dando nisso: artesanato puro e nada linear.
Poemetos quase haikais, confeitos de
angústias revisitadas. “Tão longe a amada/A corda ao pescoço
acorda/Uma flauta amarga”. Belíssimo. Bravo. Lavações, espelhos,
coreografias de palavras. Jazidas de minas d´água. Ele quer o não
ser-se, ou tudo é um resgate de pertencimento-endereço íntimo? A
fuga para a poesia torneada enfado? O poeta é um fingidor...
Poeta premiado, dois livros
anteriormente publicados, coluna em jornal de sua terra, colabora
com suplementos culturais de renome, e ainda é pedra de toque na web.
A eternidade também é feita de passos. “Aquele homem/Me aguarda na
esquina/Com uma faca(...)/Que irá repartir o pão(...)/Cortasse ele a
esquina/Seria talvez padeiro/Resgatando a poesia/Que me escapa das
mãos” Poética limando palavras. Essa é a tônica do Antonio Mariano.
Perdas, reencontros, a poética “áccua”
de Antonio Mariano, como uma onda bate e fica, marca a tez chão,
leva e traz, fazendo espumas, molda-se areia e sal, suas lágrimas –
cantos aqui e ali recortados, retorcidos, repaginados - mas ainda
assim abundantemente poesia. Cisterna-vazante, paradoxos-nexos,
elos-desligamentos; sim, guarda-chuvas não contêm lágrimas
esquecidas. Eis o livro libertador de suas angústias talvez
sublimadas na vibrante poesia, ótimo confeitor delas que é, por isso
mesmo quase todas são resgates de (quase) inconscientes esquecidos,
iluminados agora e assim também enlivradas pela lanterna da
sensibilidade que, fria, sim, aponta, recorta, ilumina e ainda
transparece as lágrimas dos seus tantos desregramentos.
Leia a obra de Antonio
Mariano
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