Silas Correa Leite
Crônica de uma Saudade
Centenário do Poeta Mário Quintana
Pois é, querido poeta Mário Quintana,
hoje é três de julho de 2006 e
farias cem anos!. Farias, não, que fazes, tu sabes o lugar que
estás, pois o
lugar que estás é o lugar-luz que és, até mesmo e principalmente na
escala de valores literário da história. És nome de escola, de rua,
de biblioteca, a
casa-hotel em que habitavas agora é um Centro Cultural, e lá está a
memória viva de tu´alma, teus tarecos diversos entre objetos que te
inspiraram, nos poemas que deixaste para nosotros.
Ouvi e vi um menino vidrado te
declamando todo garbo, vi tua filha inaugurando uma
mostra-exposição, vi teu quarto de dormir - e ainda sonhas? - porque
tudo na vidinha passa, mas foste menino-passarinho, com tua
poética-passarinho, e lá estava a moça cicerone dando uma lanterna
para a turista-repórter boquiaberta te ler em poemas murais,
aclareado no escuro, numa bela montagem-instalação de ti, muito além
de ti. Já pensou, guri?
Centenário é um poema do longe dentro
da gente, ou da gente dentro do longe saudoso e quase pensadilho
também?
Pois é, caro poeta Mário Quintana, com
tua poesia quintanilha, punhas a alma avelã no quorador das idéias,
e secavas o teu poema numa fresta da folha da janela, numa
fresta-pano do varal, num ponto de fuga todo especial de ti; tua
poética quintaneira de quintais urbanos, trapézios enluados,
enfeitiçando a petizada, fuzarqueando, tu mesmo um guri a desvendar
os véus de utopias, nas releituras tantas, ricas, páginas viradas de
vidas e memórias, de contações e das quireras líricas de tua estadia
no meio de nós, poemas aos quatro cantos e aos quatro ventos.
Teu poetar morava nas idéias das
coisas. Hoje são cantares, cantatas, nênias e invencionices puras,
mosaicos de tua alma nau.
No galeio de teus versos, a poesia
trololó, peneiradinha com um gauche em torno de coisas primárias,
básicas, primordiais, nutridas pelo teu açúcar, extrativismos de
momentos, recolhes de pertencimentos, técnicas de cortar cana e
fazer doces palitos-poemas, pilhas-palitos-poemas, energizando o
lado piá (grotesco-bucólico) da gente, brava gente, mais a vidinha
maroteira das idéias chãs, dando um gute-gute, um chape-chape, feito
um recolhedor de focos, polaróides, fotogramas, closes, insights,
com tua poetagem que esparramava haicais tropicais em sulinos berços
esplêndidos, feito um moinho letral de dizer contentices noturnais e
bonitezas pré-aurorais.
Mário Quintana com cem anos, e ainda
ali pondo tua alma criança para poetar o belo, o mágico, a poesia
que saía leve e suave, nuvem e solta, poucos versos nas metragens e
tanto conteúdo existencial. Farias cem anos, belo, e aqui ainda
fazes conosco, com teus livros, tuas fotos, tua poesia de ninar
gente grande, poeta-passarinho.
No roda-cotia das doces relembranças,
o teu sereno olhar de avoar jabuti, a tua voz de menino grande, como
uma pequena clarineta-requinta afinada de vivências, os teus gestos
magnos, mais o teu olhar acima e sobre todas as coisas, tirando
fragmentos de instantes nus, atiçando nodais de injustiças,
pincelando tua vida por registrar isso mesmo: teu tempo, as
asperezas dos homens, as lanternas sobre tristices dessa gente
humilde e a voz do povo resgatada em teu lirismo que embonitava
tudo.
Cem anos, Mário Quintana, pois que
viajaste fora do combinado, foste poetar nos pagos celestes
enserenados de divindades, e nós aqui sem um fotógrafo de registros
comuns, cotidianos, como tu; que dão seladura à tabua de carne dessa
vidinha que seria uma merreca, se não foste o que deixaste de lastro
lavra, um olhar que via da lagarta de couve ao long-play de Caruso
com voz enlivrada por teus criares. Fazes falta, poeta, fazes falta.
Saberias colocar quebra-queixo nos
nossos curtumes e purgações, porque teus poemas eram esse grude que
enricava a nossa alma por teus olhares sadios e recuperadores de
momentos, imagens e sentimentos. Na maria-mole queimada de teus
poemas, no suspiro cor-de-rosa de tuas palavras, no pé-de-moleque de
teu serpentear versos, ficamos sem a benção de teu poetar bendito,
buquê de elencos versejados.
Será que foi Mário Quintana quem
escreveu tantos versos bonitos, ou foi algum verso-guri delezinho
que o criou como encantado, para nos tirar picumãs de tristices? E
agora essa saudade beliscando a beldroega da ausência. Ora, deve ser
ele mesmo que, de novo, todo trancham, estilingue na mão direita,
cetra na calça rancheira ou de morim-cambraia, continua pondo
sentimentos revisitados dentro de nossa alma saudosa? Vá saber.
Poesia-passarinho não tem engenhos do tempo para nortear, é livre,
vai e vem, faz e acontece, se pirulita daqui prali. Por isso que
digo que, sim, ele está no meio de nós, e nós o vamos lendo como
salmos contentes de seus achados existenciais, como certidões de
seus documentos íntimos: belezura de pôr groselha na alma criança da
gente, iluminando o coração daquele que ainda têm coração.
Querido Mestre Mário Quintana, dá
licencinha, como num jogo de contas de vidro, vou pular a amarelinha
da saudade água viva e ler os
poemas-história-em-quadrinhos que escreveste para que pudesses
permanecer sempre moleque-camaleão dentro da alma rueira da gente.
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