Silvio Roberto Santos
Da dieta das traças
Aqueles que leram
por certo lembrarão: nos idos de 80/90, as revistas de divulgação
científica (Superinteressante e outras) traziam, vez ou outra, algum
artigo sobre o que foi chamado então de hipertexto. Segundo o que se
dizia, entre outras coisas, no futuro (onde estamos) acabaria a
figura do livro tradicional e passaríamos a degustar nossas
histórias preferidas na tela de cristal líquido de um pequeno
computador. Isso propiciaria, de imediato, imensas vantagens. O dano
ecológico resultante da produção do papel seria reduzido. Seria
imensa a biblioteca que poderia ser armazenada numa memória
eletrônica, poupando um espaço doméstico nada desprezível,
geralmente, mas nem sempre, ocupado por uma biblioteca. Em todo esse
processo, a rede mundial de computadores teria um papel capital.
Estava-se nos primórdios da Internet.
Creio ter aprendido
com Carl Sagan, o gênio da astrofísica, que o melhor tempo é o
presente e a melhor época a que estamos vivendo. Pode-se, nos dias
de hoje, ver a que chegaram tais previsões. De fato, ao evoluir, a
automação dos mais diversos dados só aumentou a demanda de papel. E
hoje, os grandes usineiros da celulose suprem satisfatoriamente sua
necessidade de novas árvores, através do plantio de florestas
dedicadas a esse fim, como é por demais sabido. Também não resta
dúvida sobre a realidade dos computadores de palma da mão, em muitos
casos, menores do que um livro. Então, a quantas anda o livro
eletrônico?
Vai bem. Não como se
previu. Não aprisionado em maquinetas, infinitamente mais usadas
para games sangrentos, mas multifacetado, na Web. Escritores como
João Ubaldo Ribeiro foram pioneiros em vender histórias por capítulo
aos internautas. Mais recentemente, a livraria virtual Amazon
permite que se tenha acesso a uma percentagem do conteúdo do livro
pelo qual há interesse. Saindo do âmbito do livro, pode-se, mediante
o pagamento de uma taxa, ter acesso ao imenso arquivo do New York
Times.
Tornou-se quase uma
aporia a frase do bardo: “quem lê tanta notícia?” Ao contemplar a
variedade de publicações numa banca de revista. Para quem já pode
acessar, há muito mais informação circulando na Rede Mundial do que
poderia assimilar toda uma existência. Um verdadeiro labirinto de
Borges. Enquanto isso, a figura do livro tradicional permanece.
Diria até que sofre um reforço por parte do texto eletrônico, tendo
como suporte o benefício do domínio público.
O caso é que há
inúmeros sites oferecendo textos de autores consagrados nessa
condição. Fica como exemplo o endereço
www.terra.com.br/virtualbooks
, onde é possível, entre outros, encontrar e copiar gratuitamente o
“Diário Íntimo”, de Lima Barreto. Obra compilada com textos esparsos
do escritor que apresenta um panorama fiel dos impasses de uma
vítima do racismo e da história do Rio de Janeiro no início do
século passado.
Por certo existe um certo desleixo na revisão dessas obras
disponíveis. Mas o que importa mesmo é a sua disponibilidade. O que
poderá tornar positivo um aspecto deselegante da brasilidade. Existe
um certo interesse em ler. Nunca em comprar livros. A argumentação é
que custam muito caro. Alguns tanto quanto uma rodada de cerveja. À
medida que se massificar o acesso aos terminais poderá haver a
inversão de leitores que partirão do texto eletrônico para o livro
tradicional. Afinal de contas ainda não deixou de ser mais agradável
ler o texto impresso, sentindo o perfume e a textura das páginas.
Para não dizer que quase sempre se imprime o que julgamos ver de
importante no monitor.
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