1. Às
quatro da manhã de cada dia - Virgílio Maia.
Às
quatro da manhã de cada dia,
quando
o horizonte a luz ainda nega,
religiosamente
principia
um
canto agudo de graúna cega.
Vem
da casa vizinha. Ela assobia
as
notas musicais, e, só, carrega
as
dores do cantar. E por porfia
de
sonora aquarela faz entrega.
Abala-me
a cegueira em que se agita
esse
retinto pássaro que me acorda
enquanto
tudo mais em calma dorme
Na
gaiola ele canta, pula e grita,
mas
não sabe que põe e que transborda
no
meu humano peito um medo enorme.
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2.
A
G R A Ú N A - Antônio
Carlos de Martins Mello
A Virgílio Maia -
18.03.93.
Dizes
ouvir, às quatro, o desespero
de
uma graúna sem visão que pia
e
pula e grita e canta e assobia,
na
vizinha prisão de seu viveiro.
Eu
também ouço, e é por todo o dia,
o
cantochão do tetragrama inteiro:
canta
tão triste que, por vezes, quero
saber
de nós quem mais já se angustia.
Debrucei-me
inda ontem, curioso,
prá
medir o meu mal, que já nem ouso
confessar
a ninguém, e ele me disse:
-
Canto o mesmo refrão da mocidade,
só
que chego torcido de saudade
aos
ouvidos malsãos de tua velhice.
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3.
Recebi teu soneto e nele vejo - Virgílio Maia,
23.03.93.
A
ANTÔNIO CARLOS
Recebi
teu soneto e nele vejo,
viva
e vibrante, a verve de um Poeta.
Sonetos
como esse é que eu almejo
qualquer
dia escrever em linha reta.
Só
poderei cumprir este desejo
se
guiado por musa tão dileta
amiga
e amante que não tenha pejo
de
na minha por sua mão de esteta.
A
graúna vai bem, muito obrigado,
e
saúda teu velho tetragrama,
augurando
que a clave não lhe caia,
pois
que parece em demasia usado
E
assim, meu Doutor, se segue a trama
dos
versos teus e meus, VIRGÍLIO MAIA.
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4.
SURSUM CORDA - Antônio
Carlos de Martins Mello, 14.04.93
Largo
o ritmo frenético em que trabalho
e
passo a examinar, a teu conselho,
se
já me vai falhando o que te é falho
nos
prazeres fortuitos de homem velho.
Só
beleza reflete-se no espelho
se
para o barbear dele me valho,
quando
alinho as melenas de fedelho,
um
ou outro fiapo é que é grisalho.
A
função principal é um estribilho
de
que notas raríssimas recolho
ao
passo que só as tens agora em sonho.
A
musa te inspirou, velho Virgílio,
como
guiaste a Dante, mas o espólio
varonil
de verdade é o deste Antônio.
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5.
INCONTINÊNCIA - Luís
Martins Leitão, 20.04.93.
Não
pude mais conter-me. Era preciso
Alguém
fazer de vez esclarecida
(De
idade menos e bem mais de siso)
Esta
peleja a verso encarecida.
Não
se lhes nega gênio e sim juízo,
O
verso tem cadência, a rima, vida.
Mas
se traem no fundo e causam riso,
Que
a peleja, em verdade, é... encanecida.
Um
se apavora ao canto da graúna,
O
outro é Narciso ante mendaz espelho,
E
se há uma coisa que talvez os una
Nesses
lampejos fátuos de velho
É
que tão só na língua inda se enfuna
Todo
o vigor que já não têm no relho.
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6
- L U I S A D A S - Virgílio
Maia, 28.04.93.
Foi
só você, que atende por Luís,
quem
deu causa a todo este reboliço,
E
se foi você mesmo quem bem quis,
preste
muita atenção enquanto eu iço
brancas
velas de Musa, o que já fiz.
Veja,
Luís Martins, como eu atiço
metro
e rimas e gravo, assim com giz
incandescente,
sem qualquer enguiço,
dois
perfeitos quartetos e prossigo
esclarecendo
agora essa questão
a
respeito dos ovos, do caralho.
Se
de Antônio não sei -
é seu amigo
-,
posso
de mim lhe dar exatidão:
sou
Maia e novo, não Martins e falho.
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7.
É
SUA VEZ - Virgílio
Maia, 28.4.93.
Num
soneto sofrido e mal escrito
certo
Luís Martins nos desaprova,
querendo
nos levar meio no grito
e
tua machidade pondo à prova.
Mas
se vou lhe ensinar como se trova,
mostrando
ser um só, e bem estrito,
o
tão áspero caminho que reprova
a
quem usa as palavras com atrito,
deixo
ao Vate, que é primo e dele amigo,
responder-lhe
à tal Chave do Parnaso,
que
aquela carapuça em mim não calha.
Pegue,
Antônio, o Luís ao modo antigo
e
prove, se puder, se for o caso,
que
tão vetusto relho inda não falha.
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8.
F r e u d i a n a - Luís
Martins Leitão, 01.05.93.
Desculpe-me,
Virgílio, o desmantelo
Que
o verso meu sofrido e mal rimado
Causou,
e o fez, num tom inesperado,
Sair
da linha e partir pro apelo.
E
penso que não fiz por merecê-lo,
Pois
só por ser Virgílio rotulado,
Não
dá direito a ter patenteado
Só
para si o uso do martelo,
Nem
carecia tanto destempero
Nessa
linguagem com que me replica,
Que
eu, se lhe dava um cinco, agora é zero.
E
quanto “àquilo” , vai aqui a dica,
Que
pode minorar seu despero:
Socorra-se
de Freud, Freud explica.
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9.
- AOS DOIS NUNES - Antônio
Carlos de Martins Mello, 03.05.93.
(a
Virgílio Nunes Maia e Luís Martins Leitão -
órfão do saudoso Oswaldo Nunes Leitão).
Subo
à liça de novo com meu báculo,
que
é borduna de nódulo soberbo,
contra
tudo que é verso chulo, e acerbo,
com
que tentam roubar-me o espetáculo.
Nem
devia socar em tal cenáculo
o
estro colossal em que me enervo,
mas
vou-lhes infligir exemplar verbo
de
quem é bom na língua, no vernáculo.
Guardando
sempre ereta a compostura,
vou
aplicar lição a certo Maia
e
ao Leitão (ou Luís) farei o mesmo:
se
querem conhecer-me a ditadura,
vou
fazer um dançar rodando a saia,
do
outro faço um tacho de torresmo.
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10.
RESSURJA,
VIRGÍLIO! - Antônio
Carlos de Martins Mello, 24.07.95,Fortaleza
Já
não ouço em tercetos nem quartetos
do
teu estro chibante as diatribes
nem
os rasgos louçãos com que tu inibes
a
mediocridade dos sonetos.
Se
teus versos são brancos
- ou se são
pretos -
nem
me importa, senão que são temíveis,
e
agora liberais, indefectíveis,
pois
seus vôos voam livres, irrequietos.
Mas
não venhas pensando que por isso
vais
bater sem sofrer as conseqüências
de
parares no meio da porfia.
Dou-te
porrada no alto do toutiço,
inda
deixo em reserva as reticências,
para
o caso de errar na pontaria.
11. SURSUM
CULUS! - Antônio Carlos
de Martins Mello, 31.08.95.
Nem
Lisboa te vale, ó vate quieto,
pra
que a face em sossego um dia ponhas,
nem
na busca de versos com peçonha
pra
forrar-te do medo que te meto.
Se
voltaste do Reino, te prometo
cacetada
pior e mais medonha
que
as daquele poeta sem-vergonha
que
fazia o melhor do que é soneto.
Vate
quieto - te disse -, que nem pias
há
meses escondido qual pernalta,
enquanto
te cravejo o vil traseiro.
Enquanto
o bico adunco em terra enfias,
por
trás à gargalhada a torpe malta
disputa
o sobrecu cobrir primeiro.
12.
EPITÁFIO PARA
VIRGÍLIO MAIA - Antônio Carlos de Martins Mello - 19.10.96.
Por
aí jaz alguém que foi poeta,
cantador,
repentista e ardente bardo,
que
trazia de versos rico
fardo
e
tesouros riquíssimos de esteta.
Quando
dava sua ríspida veneta,
recitando
socráticos brocardos,
arrancava
mãezinhas do resguardo,
segurava
as rodadas do planeta.
Hoje
dorme, coitado, sob as cinzas,
sem
voz, sem dom, sem brilho, sem tribuna,
bem
diverso do que era de primeiro.
Mal
segura nas mãos, hoje ranzinzas,
o
que deixei dos restos da graúna
quando
queimei de versos seu viveiro.
13
- Dois
"cabra rüim"
-
ANTÔNIO
CARLOS DE MARTINS MELLO, 27.11.96.
A Luis Martins e Virgílio Maia
Debalde
corre o mundo o meu relaxo,
de
cuja exatidão nunca me queixo,
de
cuja onipotência nem me vexo,
pois
ribomba no mundo de alto a baixo.
Espero
em vão que venha um esculacho,
atacando
algum verso ou algum trecho,
um
passo, uma abertura ou algum fecho,
mas
por mais que procure nada acho.
Onde
estás, vão Luís, que invocas Freud?
Onde
andas, Virgílio da graúna?
Quem
enfrenta meu lábaro medonho?
Ambos
curvam-se ao báculo trombóide
com
que faço o que quero na
tribuna
e
empurro e puxo e
torço e tiro e ponho.
14.
VOZES VIRGILIANAS
- Antônio Carlos de Martins Mello, 29.11.97
A
Virgílio Maia
Leio
o pão que amassaste e arroto adrenalina,
canto
de galo e espero
inutilmente o
troco,
grito
pregões altivo em tudo quanto é esquina,
mas
Dom Virgílio á ausente, Dom Virgílio é mouco.
Quando
me vê chegando, sai
com a fala
fina,
enquanto
brado e estrondo meu refrão bem rouco,
cai
aqui e acolá, tropeça em tal sufoco
que
se esquece o medir, o versejar e a rima.
Ô
Virgílio onde estás que nem sequer respondes,
em
que astro, em que mundo ou estrela tu te escondes
que
não ouço o rosnar de tua voz
roufenha?
Venha
o teu estro enfim
que foi um dia altivo
e
que cantou tragédias de animal cativo
soltar
as asas no ar, caso
ainda asas tenha.
15
CAIXA DE HAIG- Virgílio
Maia
- 25.01.03
Porto das Dunas
Numa
caixa de Haig esculpo agora
De
vento e claridade estes versos
Em
louvação à mais bela cidade
Fortaleza,
onde o sol demora.
E
só há alguém, que num sorriso chora,
Demonstrando
sinais de insanidade,
É
bem melhor chorar, mas de saudade,
À
fumaça de um “puro””
a que se exora
É
claridade e vento, é louvação
Que
voa da caneca ao lep top
Nas
palavras que o tempo não carregue.
É
vento, é claridade, é coração,
É
pedra no caminho que se tope,
Neste
porre escocês de uísque
Haig.
16
Q U E M C H
E G O U ?
- ACMM, Porto das
Dunas, 25.01.03.
Ao redivivo Virgílio
Maia
Alguém
veio por trás, ouço o barulho,
Não
sei inda quem é, não reconheço,
Deixa
olhar o mistério deste embrulho
Viro,
e já, esse troço pelo avesso.
E
tem métrica, ritmo, rima... é um verso!
Tem
perfume de velho, fede a entulhol.
Às
profundas do inferno subo e desço
Eis
que expressa algo assim com tanto orgulho.
Rasgo
o véu, vejo o bicho manifesto
Um
soneto, meu Deus, aos ollhos brota
Da
natureza exsurge como um aborto
Pelas
trilhas do mundo desembesto...
-
Valha-me, que me voltou essa marmota!
Reviveu
quem há muito estava morto!
17
- Corre,
Luís, pra ver a novidade - ACMM,Porto
das Dunas, 25.01.03
A
Luis Martins
Corre,
Luís, pra ver a novidade:
Quem
morrera voltou todo pachola!
Lê
o verso pra mim, dá-me esta esmola,
A
recompensa Deus de te dar há-de.
Enfim,
que Nunes é, meu bom cumpade,
Inda
é parente teu – teu sangue rola:
Alguém
tirou do saco sua viola
Em
que a guardara desde a antigüidade.
Venham,
pois, vocês dois levar pancada
Como
lhes ocorreu dez anos antes,
A
completar-se agora, mês de março.
Renovo
o desafio, sua cambada:
-
Vou bater vocês dois em dois instantes,
Vão
notar rapidinho como é fácil!
17
- SILÊNCIO - Antônio Carlos de Martins Mello
Para Virgílio Maia e Luís Martins.
Fortaleza, 29.01.03.
Nem
Luís nem Virgílio manifestam
Réplica
ou o mais que for ao desacato
Que
lhes mandei sem modos nem recato
Parece
que ‘tra vez não me contestam.
Caladinhos
da silva ambos me restam
Qual
não lhes fosse em nada pertinente
A
esculhambação que toda a gente
Escutou,
leu, gozou e lhe deu fama
Quem
leva cacetada e não reclama
É
sinal que gostou do meu repente.
De
Carlos Augusto Viana para Antônio Carlos Martins
SONETO
DE CONSOLO A UM AMIGO
Não
lamentes, ó não, Antônio Carlos
Esse
silêncio acerca de teus versos:
Não
é de todo fácil amarrá-los
Em
metro e temas por demais diversos.
Fabricaste
gaiolas, tantos pássaros
Por
certo delas fogem, por adversos;
E
buscam noutros ares, outros álamos
Em
que possam cantar, mesmo submersos.
Se
tudo começou com a graúna,
O
Seu não canto não foi assim à-toa:
Sob
a pele das pétalas, só voa
O
que dentro de si nuvens reúna.
Teu
canto é rio maior, por isso soa
Em
sépalas, em píxides, em plumas.
VIGÍLIA LEITORA
Fortaleza,
madrugada 02/03.02.03. Para Luís Martins Leitão e Virgílio Maia
Toda
hora reabro meu correio
A
ver se tem mensagem pra leitura
Colho
umas que outra em tal procura
Mas
dos dois nem bulhufas pelo meio.
Que
não me tenham lido até receio,
Talvez
seja preguiça mera e
pura,
Quem
sabe, eles não lêem como eu leio,
Quem
sabe, se afeiçoam à dita...dura,
Não
fazem mais a guerra que eu guerreio,
Porque
seu instrumento já não fura,
Talvez
tenham trocado já de lado
Que
a idade da velhice já lhes veio
E
quem de tal doença não tem cura,
De
fato é bem melhor ficar calado.
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