Valéria Nogueira Eik
Obra de arte ou desastre?
A entrada da cidade era tão feia e tão
suja, que somente as velhas mulheres de vida fácil e os bêbados mais
ordinários é que se submetiam à tamanha imundície.
E por ali passavam todos, que eram
muitos, adultos e crianças, senhoras e senhores, pessoas de bem ou
não muito bem, enfim, um respeitável público que se arrepiava diante
da pobreza dos corpos e das almas que viviam nesse circo descoberto
e mais desumano que os próprios circos de lona.
Seres que um dia foram humanos e que
nesse ponto da vida, ou seria morte? apenas se arrastavam nesse
umbral asqueroso, como cobras ou ratos, prontos para engolir ou
serem engolidos, sempre envoltos em vapores de pinga e falta de
banho.
Pobre mulher de vida difícil!
Sentada na calçada, com as pernas
abertas, sem nada para encobrir suas partes que já não eram tão
íntimas, ela não se incomodava com amores e muito menos com valores.
Pobre bêbado ordinário!
Não se sabe porquê estava nessa vida,
mas, estava; e isso era um fato consumado e irreversível.
E as pessoas continuavam a assistir ao
macabro espetáculo todos os dias, quando entravam na cidade grande,
que se tornava cada vez maior e pior.
E iam amamentando os filhos das
rameiras, os filhos dos bêbados, os filhos de toda sorte ou azar,
com descaso frio e maldoso, criando dessa forma, verdadeira legião
de desajustados de todos os tipos.
E a cidade estava crescendo.
Seria uma obra de arte ou desastre?
As velhas mulheres da vida estavam
morrendo, desocupando lugares fétidos, que logo seriam preenchidos
por outras prostitutas menos gastas, gerenciadas por uma versão mais
moderna e aprimorada de gigolôs.
Os velhos bares estavam sendo
derrubados e outros bares, com álcool mais refinado, seriam
construídos, para formar uma elite de novos bêbados.
Não resta a menor dúvida de que a
cidade está ficando maior, sua entrada está limpa e a visão das
coisas hediondas foi jogada para longe, para muito longe da falsa
moral dos habitantes, que não vendo o lixo, pensam que ele não
existe e se assustam quando são assaltados, e se apavoram diante dos
crimes de morte.
E a morte tem que estar muito próxima,
porque se estiver há mais de dois passos, será interpretada apenas
como um filme qualquer de televisão, nojento, sangrento, violento,
sem nenhum impacto ou espanto.
A cidade, agora, tem seu portal, seu
postal e seu cartão de visitas.
Daquele ponto obscuro e podre, restam
somente alguns odores e as lembranças que sobrevoam o lugar, fazendo
uma ponte de ligação entre o etéreo e a nova cova do submundo
imundo, escondido dos olhos humanos pela hipocrisia de alguns ou de
quase todos.
Os filhos das putas nem são tantos.
Mas, os filhos das putas, estes, sim,
são muitos!
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