Vássia Silveira
Sobre imagens e poemas curtos
Sentei-me em frente ao computador com
o desafio de falar sobre a difícil arte da concisão. Um tema que
surgiu após algumas trocas de poesias, quando um leitor me disse que
costumava “passar como um trator” sobre as imagens fáceis. Posso
estar enganada, mas fez-me acreditar que os poemas-minuto,
necessariamente, são recheados desse tipo de imagens. E o que é
pior: que as imagens podem ser consideradas como sinônimos de poesia
menor. Concordo com a crítica sobre os chavões, os clichês – coisas
do tipo ´seus olhos são como as rosas de um jardim´ - mas não posso
concordar com a idéia de que o uso de imagens “fáceis” (prefiro
chamá-las de viáveis, palpáveis...) são necessariamente coisas de
principiante ou mal poeta.
Gosto de imaginar as palavras
unindo-se na formação de versos que, por sua vez, desvendam imagens
– capazes ou não – de desarrumar-me interiormente. E para isso, nem
sempre preciso mergulhar na subjetividade de alguns poetas. Às vezes
contento-me com a singeleza de versos de um Quintana (Há noites que
eu não posso dormir de remorso/ por tudo o que eu deixei de cometer)
ou de um Maiakovski apaixonado (Afora/ o teu olhar/ nenhuma lâmina
me atrai com o seu brilho). Acredito que a poesia dispensa
explicações. E dela podemos levar ou guardar, se preferir, sensações
de fúria, desespero, dor, paixão, compaixão, solidariedade, solidão
ou, simplesmente, algumas imagens bonitas. Nesse sentido, concordo
quando Jorge Luis Borges diz, em Esse ofício do verso, que “Há
versos (...) que são belos e sem sentido. Porém ainda assim têm um
sentido – não para a razão, mas para a imaginação”.
E se digo isso é porque na juventude,
tinha a arrogância de acreditar que poderia destrinchar um poema.
Era apaixonada por Teoria Literária, Crítica Literária e coisas do
gênero. Debruçava-me em cima de poemas de Baudelaire ou Drummond e
com a ajuda de ensaios e críticas de Walter Benjamin, Umberto Eco,
Borges, Lacan (acredite, se quiser!) e outros, jogava-me à
fascinante tarefa de decifrar o indecifrável. As teorias e os
métodos povoavam minhas idéias e o academicismo quase me fez crer
que tinha um talento especial para falar sobre o que os outros
produziam. Felizmente (ou infelizmente, ainda não tenho certeza),
fui puxada para experiências mais práticas que acabaram me afastando
da masturbação intelectual e literária dos primeiros anos de minha
juventude. Hoje, continuo apaixonada e sinto que essa paixão caminha
a passos largos para um amor infinito ao mundo das palavras. As
teorias e as críticas ainda são para mim algo fascinante, mas tenho
consciência de que antes de tudo isso, é preciso descobrirmos a
nossa própria maneira de ver e sentir a literatura. Se não me
engano, foi Borges quem também disse que tinha dúvidas quanto o
benefício de se saber Teoria Literária...
Talvez por isso goste tanto de Manoel
de Barros. Acho que ele consegue expressar essa inquietação que
sentimos quando resolvemos falar ou escrever sobre coisas que
acreditamos ou vemos. Mesmo que nossa visão seja estranhamente
diferente de tudo o que se faz. Por isso não concordo quando o mesmo
leitor dos tratores chamou o poeta de niilista. Acho que Manoel de
Barros acredita, e sua técnica é reflexo disso, que poesia é um
olhar particular sobre o mundo e que a poesia está em coisas bem
simples, para quem sabe enxergar. Esse é seu credo, ao menos para
mim: Contenho vocação pra não saber línguas cultas./ Sou capaz de
entender as abelhas do que alemão./ Eu domino os instintos
primitivos./ A única língua que estudei com força foi a portuguesa./
Estudei-a com força para poder errá-la ao dente (...).
Mas voltemos à concisão - mesmo que de
conciso esse texto não tenha nada. Estive pensando qual a melhor
maneira de explicar minha inclinação pelos poemas curtos. E só
achei, a princípio, uma justificativa: as palavras me assustam.
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