Vássia Silveira
Os quinze minutos
“Êta, que o sol desaparece, mas quando
resorve vortá...”
O desabafo acompanhou a mão direita à
testa e eu concordei com um sorriso. Nos quinze minutos que seguiram
à espera do ônibus fiquei observando aquele homem.
A pele queimada, os olhos tristes, o
rosto fincado de rugas e alguma solidão para acompanhar os dias
cansados. O silêncio parecia incomodar, mas não parou o trabalho.
Faca na mão, tratava de fazer uma
estaca e fincá-la no terreno baldio que começava a preparar para o
dono. Seguia um ritmo lento, como se cada lasca de madeira pudesse
arrancar um pouco de sua própria vida.
Algumas pessoas entraram no primeiro
coletivo que passou e um moleque ameaçou tirar o apoio do banco
usando-o como passarela. “Passa daí, menino!”. O homem olhou a
criança e sorriu. “Tem problema não, dona...”.
Silêncio. Distraí-me pensando na
própria vida. Olhava o movimento dos carros, as sombras das árvores
na praça, a poeira nos pés.
“Coração tá matando muito...” Vi com
curiosidade suas reticências e sem advinhar-lhe as tragédias,
concordei. “Ainda ontem, dois compadres meus bateram as botas por
causa do coração”. “Mas como foi isso?” Virei o pescoço e enxerguei
uma senhora de cabelos pintados e sacolas na mão. O diálogo estava
firmado.
“Não sei explicar, não. Um, acho que
foi raiva. Não dizem que raiva mata?” Sem esconder a satisfação de
contar suas próprias histórias, o homem deu á mulher alguns
detalhes. “A filha tinha saído na terça-feira e só voltou pra casa
ontem. Aí, já viu... Foi querer falar com a menina, brigou e caiu
pra trás. Menina nova, dona. Agora vai poder fazer da vida o que bem
quer”. O tom era de desalento, mas não perturbava o movimento
contínuo da faca. A mulher tinha dado alguns passos em sua direção e
meu ônibus estava chegando.
Subi os degraus do coletivo, passei a
roleta e procurei um lugar onde pudesse sentar e pensar na vida.
Olhando da janela (quem sabe pela última vez) àquele homem, vi que a
morte, assim como a vida, tem o poder de aproximar as pessoas.
Talvez seja o medo e a surpresa do dia que todos carregam. Uma
espécie de dor que alimentamos com morfina, para evitar sentir.
Pensei na comoção de algumas pessoas, no sofrimento de outras e na
conformidade de quem está acostumado a levar o hoje sem pensar no
amanhã. Lembrei do homem na parada e pensei com certa tristeza que
talvez seja esta – a certeza da morte – a verdadeira e longa solidão
que todos carregamos.
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