Carlos Augusto Viana
Pedro & a Palavra
08.08.1999
Íntimo de seu tempo, preso às ponderações ou aos delírios, Pedro
Henrique Saraiva Leão traz para o universo da poesia o caos e a
ambiguidade do homem contemporâneo.
A leitura de Pedro Henrique Saraiva Leão implica,
antes de mais nada, a compreensão de que sua poética, não obstante
apresentar-se, as mais das vezes, sob a égide das estruturas
nominais, da sintaxe análogo-visual, valendo-se, no campo semântico,
de idiogramas; no morfológico, da desintegração do sintagma,; no
lexical, de substantivos, siglas etc; e no fonético, dos recursos da
sonorização; não está - e não deve ser - reduzida ao rótulo do
concretismo.
O poeta de ‘Meus Eus’ ccompreende o poema como a
fusão de imagem e sentido; nele, forma e conteúdo constituem um todo
indivisível. E isto não se prende a cânones específicos de uma
estética, mas, e sobretudo, impõe-se como um marco das grandes
escrituras, capazes de vencer o tempo e o espaço.
Enquanto poeta, qual o seu compromisso? Antes de
tudo, com a experiência humana transfigurada pela estética. Daí o
realismo social não aniquilar outros, tais como: a angústia
existencial, o erotismo, as indagações metafísicas... Íntimo de seu
tempo, preso às ponderações ou aos delírios, Pedro Henrique Saraiva
Leão traz para o universo da poesia o caos e a ambiguidade do homem
contemporâneo. Fluem de sua lírica, exatamente como experesão do
estar-no-mundo, o insólito, o espanto, o absurdo, o agônico...
Poeta, sabe, como poucos, deslocar e reordenar o
real, reduzindo-o a alusões. Por isso, saltam pianos do corpo da
amada; as foices, os coices, o cio e o chão, de um ‘João sem pão,
João sem medo’; pássaros transmutados em aedos; olhos esquecidos em
outros espelhos; túmidas Marias; ou, ainda, o lirismo de um púbis em
cítara.
Quem se destina a uma leitura mais apurada da poética
de Pedro Henrique Saraiva Leão depara, sobretudo, a sua técnica de
expressão: dela, origina-se uma poesia que se realiza através da
linguagem enquanto produtora de um universo autônomo. Nesse caso,
fragmentação sintática, desprezo à pontuação normativa, reordenação
fônica, discordância entre signo e significado, dentre tantos outros
recursos, constituem, a rigor, mecanismos por que o poeta, partífice
de um mundo em desintegração e que encontra sua identidade na
ambiguidade, possa, mais agudamente, representar o espetáculo do
haver.
POEMA
Q o poema seja destro ou canhoto
Mas com o gesto certo
Com luz de relâmpago
Mas gume de bisturi
Q não rime céu azul cor de anil
Com pátria amada brasil
Mas rime com peixe
Relógio com tempo
Ave com árvore
Praça com povo
Ou de todo não rime]
E em si mesmo se arrime –
Poema contra a corrente
Feito piracema
Poem(a levar barco pras nuvens
A trazer estrelas pro chão
E seja qual relógio do salvador dali
Pendurado tipo abas de sela
Ou carne ao sol
Secando à persistência da memória
Médico de profissão e poeta por opção. A rima
descreve bem Pedro Henrique Saraiva Leão, apontando-lhe a natureza
poética.. Entre uma consulta e outra, ele exercita a poesia e prova
que não é preciso ser artista ou boêmio para escrever. Seu
itinerário divide-se entre o atendimento aos pacientes no
consultório, nas aulas do curso de Medicina, onde trabalha no
Departamento de Cirurgia como professor adjunto e nas horas
delucubrações literárias.
É possível que muitos ainda não o conheçam, porque
mesmo com um considerável número de livros publicados pelas edições
UFC, infelizmente nosso pobre Estado não tem uma distribuição
satisfatória, nem mesmo internamente, que dizer nacionalmente. Além
de seis livros, de poesia e prosa, Pedro Henrique Saraiva Leão tem
ainda mais seis técnicos, na área de colo-proctologia (nome que
poderia inspirar um poema).Mas também a sua intenção não é ser
conhecido, porque escrever não é seu meio de vida.
Outra oportunidade para conhecer os trabalhos desse
escritor e de outros médicos é através da revista Literapia, nome
sugestivo que intitula uma edição da SOBRAMES-CE (Sociedade
Brasileira de Médicos Escritores, regional do Ceará), que há 13 anos
também publica anualmente uma coletânea de trabalhos não-técnicos,
divagações, exercícios literários de seus sócios, como desague de
suas ânsias não-profissionais, e contribuição às letras no Ceará.
Para saber de onde vem sua inspiração, no seu último
livro, “Dicas para um Jovem Poeta”, ele diz que “a inspiração às
vezes chega subitamente, que nem bebê deixado à nossa porta,
prontinho para a adoção. Acontece, outrossim, deixar-se pressentir,
como a aura dos epilépticos, à guisa de premonição. Mais amiúde não
vem completa, anunciando-se por um arauto, um porta-voz que traz
somente a idéia, só uma frase, ou só um mote. Não des(espere),
espere! Aguarde!” Assim ele “ensina” como seguir seus passos, ou
melhor, o da poesia. E conclui: “Na prosa, como na poesia, a pá
lavra palavra(s), e estas podem parir trocadilhos e outras coisas
inusitadas. Em verdade, as palavras estão dispostas a tudo! O
importante é catucá-las com vara curta, um lápis, por exemplo!!”
Num primeiro contato, portanto, as palavras não lhe
sobram, ou ele não é de muita conversa, ou ainda, talvez, falta-lhe
tempo, entre uma consulta e outra, para ele falar um pouco sobre as
coisas que lhe interessam. Mas, cutucando-lhe um pouco, ele falou.
Sobre o grupo de arte concreta cearense, na década de
70, do qual ele participou junto com Antônio Girão Barroso, José
Alcides Pinto, Liberato de Castro e outros
Foi uma importância muito grande, eu estava
começando. O meu primeiro poema foi publicado em 1978, em jornal.
Foi uma experiência nova e o movimento de arte concreta também
estava começando no Brasil, ele começou em São Paulo, veio para o
Ceará, depois para o Rio de janeiro. Tudo começou com o poeta José
Alcides Pinto que trouxe a idéia do Rio e lançou esta idéia aqui.
Então nós embarcávamos neste mesmo pensamento, não é?! A proposta
era fazer arte concreta e nós tínhamos neste grupo dois pintores, o
pintor J. Figueiredo, Goetel Wayne, o arquiteto Liberal de Castro,
era a arte concreta com predomínio da poesia. Eu tenho um livro só
de poesia concreta (“Concretemas”, de 1983). O grupo durou de oito a
dez anos, depois cada um foi tomando rumos diferentes, foram
surgindo outros movimentos, como o Práxis de São Paulo, e cada um de
nós enveredou por outros caminhos, mas sempre ficou na cabeça
daqueles que participaram do movimento de arte concreta um
tratamento concreto das coisas, ecos, a idéia da síntese do
pensamento, da comunicação rápida.
O que é poético para o poeta, a partir do seu livro
“Dicas para um Jovem Poeta”:
O livro é uma monografia despretensiosa. Na verdade
foi um jovem poeta que começou a me mostrar uns poemas e pediu para
que eu os lesse e os comentasse. Então eu digo nesse livro, o que
disse para ele, sobre o que EU acho de poesia, opiniões pessoais,
portanto sujeitas à crítica. Comparando a poesia a algo esdrúxulo,
no exército, a prosa seria a infantaria; a poesia serias a aviação.
A poesia é o que paira, é o que sobra da prosa, o que não está nela.
Tudo deve ser poético, inclusive a prosa. É uma emoção estética. Na
poesia tem que falar desse tipo de emoção, com sentimento ou não,
com rima ou não, com adjetivo ou não (de preferência sem adjetivo)
do ponto de vista estético até racional também.
Sobre a revista Literapia e a Sociedade Brasileira de
Médicos Escritores:
A Sobrames foi fundada por um paranaense, em 1964, e
da qual eu fui presidente em 98. A sua sede é móvel, o atual
presidente é de São Paulo. Ela se destina a publicar trabalhos não
técnicos de médicos, puramente literários. Como editor, eu seleciono
os trabalhos. A revista deve ser semestral, o primeiro número foi
lançado em junho último, cuja tiragem é de mil exemplares e a
distribuição é gratuita, a nível nacional. Este primeiro número é só
de escritores cearenses não-médicos, uma merecida homenagem que lhes
prestamos. A idéia é que seja uma revista só de literatura e
cultura, com trabalhos de médicos ou não. O projeto gráfico ficou a
cargo do professor José Geraldo Jesuíno, que inbtegra também o corpo
editorial da revista.
Preconceito por ser um poeta doutor
Antigamente as pessoas achavam que médico só podia
gostar de futebol, de rinha de galo, de colecionar selo, médico não
se dava com literatura. Era um preconceito. Isso hoje está
completamente superado porque existem tantos médicos famosos, que há
muito tempo escrevem, são vários. No Brasil, por exemplo, Guimarães
Rosa, o expoente principal, José Américo, Pedro Nava. No Ceará nós
tivemos Nilton Gonçalves...
Leia a obra de Pedro Henrique Saraiva Leão
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