Carlos Augusto Viana
Helena, de Machado de Assis
21.10.2001
Expressão literária
Machado de Assis (RJ, 1839-RJ, 1808) rompeu com a
estrutura linear da narrativa, revelando refinamento na linguagem,
além de concisão e objetividade. De cunho psicológico, sua prosa
investiga a natureza humana, vendo-a com pessimismo, niilismo,
desmascarando a hipocrisia social. O adultério, o parasitismo
social, o ciúme, o egoísmo, a vaidade, o interesse, a ausência de
grandeza nos gestos humanos, as fronteiras entre a sanidade e a
loucura, a ambigüidade são seus temas mais constantes.
Obras: Ressurreição; A mão e a luva; Helena; Iaiá
Garcia (fase romântica); Memórias Póstumas de Brás Cubas; Quincas
Borba; Dom Casmurro; Esaú e Jacó; Memorial de Aires (romances
realistas); Contos fluminenses; Papéis avulsos; Histórias sem data
(contos).
O enredo
O Conselheiro Vale, morto, deixou o Dr. Estácio, seu
filho, de 27 anos, formado em Matemáticas, e D. Úrsula, a irmã, já
com mais de 50 anos. O Dr. Camargo, médico e velho amigo da casa,
após o enterro, procurou Estácio, que se encontrava no gabinete do
pai em companhia da tia, perguntando-lhe sobre o testamento do
Conselheiro.
Chegando à casa, encontrou a mulher, D. Tomásia, já
meio adormecida numa cadeira de balanço, e a filha, Eugênia, ao
piano, tocando com habilidade. Contempla a filha com "olhos amorosos
e profundos, como ela nunca lhe vira", sua fronte parecia traduzir
uma irradiação interior. A filha perguntou-lhe o que se passara.
Respondeu-lhe que nada, dando-lhe um beijo na testa". Não um beijo
qualquer: "Era o primeiro beijo, ao menos o primeiro de que a moça
tinha memória. A carícia encheu-a de orgulho filial; mas a própria
novidade impressionou-a mais".
No dia seguinte, abriu-se o testamento. Nele, além
dos benefícios a parentes e amigos, o conselheiro declarava
reconhecer uma filha natural, Helena, havida com D. Ângela de
Soledade. Era declarada herdeira da parte que lhe tocasse de seus
bens, e devia ir viver com a família, a quem o conselheiro pedia que
tratassem com desvelo e carinho, como se de seu matrimônio fosse.
As primeiras semanas com a nova família foram, de
modo recíproco, um tempo de esperas, de hesitação, de tatear
caracteres. Mas Helena tinha como captar a confiança e a afeição dos
dois: Ela praticava de livros e de alfinetes, de bailes e de
arranjos de casa, com igual interesse e gosto, era frívola com os
frívolos, grave com os que o eram... voz de contralto, pianista
distinta, sabia desenho, falava corretamente o francês, um pouco o
inglês e o italiano, entendida de trabalhos femininos, conversava
com graça, lia admiravelmente.
Estácio, ligado amorosamente à filha de Camargo,
Eugênia, sempre hesitara em pedi-la ao pai, pois seu sentimento por
ela tinha alternâncias de tibieza e fervor. Mas, agora, resolveu dar
um passo decisivo e foi à casa do médico. Mal o avistou, ela desceu
à porta do jardim: mas quando ela dividiu as atenções entre ele e um
anel de opala que ganhara de sua madrinha, o moço arrefeceu.
Helena, em passeio a cavalo com Estácio, Discutia
acerca da relatividade do tempo, perguntando-lhe se eles poderiam
encurtar o caminho sem que fosse preciso comprar o tempo. E
recolhida, súbita, ao silêncio, despertou em Estácio a curiosidade
acerca desse novo ar melancólico.
Apearam-se. Estácio pediu a Helena que explicasse
aquelas palavras: por que eles precisariam comprar o tempo para
encurtar o caminho? E ela: "Perdoe-me; a pergunta não tem nem podia
ter outra resposta mais do que a simples recusa. Não lhe direi mais
nada. Nunca se devem fazer meias confissões; mas, neste caso, a
confissão inteira seria imprudência maior." Estácio não insistiu. O
almoço reuniu a família. Andando pela chácara, Estácio e a tia
conversam sobre Helena. Ele lhe pede que procure obter da irmã a
confissão de alguma dor ou amargura.
D. Úrsula adoeceu deveras. A dedicação de Helena à
doença de D. Úrsula fora "a vara misteriosa daquele Horeb" para que
a afeição da velha por ela jorrasse espontânea. A convalescença,
porém, foi lenta, e os dois sobrinhos não a deixaram um só instante.
Helena promoveu, para distraí-la, jogos, leitura, música e sarau.
Ela insistia, ainda, no casamento de Estácio com Eugênia. Estácio,
na varanda com a tia, viu Helena entrar no terreiro em companhia do
pajem Vicente, que fora acompanhá-la a um passeio a cavalo.
Disse-lhe D. Úrsula: "É a segunda vez que você se lembra de sair sem
o urso de seu irmão". Estácio, a partir daí, mostrou-se melancólico
e monossilábico. Já não era só o passeio de Helena que o
mortificava; ao passeio juntava-se a carta. Helena perguntou-lhe:
"Está mal comigo?". Disse-lhe não ter gostado dela ter saído
sozinha. E acrescentou: "Naturalmente a pensar cousas amorosas",
cravando nela os olhos. Helena não lhe respondeu. Mas olharam um
para o outro sem dizer palavra. Até que ele: "Helena, você ama". Ela
estremeceu e corou; assustada, pousou a mão no ombro dele, e,
suspirando: "Muito! Muito! Muito!". Ele empalideceu; ela
envergonhou-se e dele afastou-se rapidamente. A sineta no portão
agitava-se com força: era Mendonça, um amigo recém-chegado da
Europa.
Na manhã do aniversário de Estácio, Helena convidou-o
a ir ter com ela na sala de costura: "Quero dar-lhe o meu presente".
Era um desenho: o retrato dos passeios que eles faziam; abaixo, uma
data: 25 de julho de 1850. Estácio ficou admirado com a arte da
irmã. Talvez por isso é que ela saía, às vezes, em passeio com o
pajem. Contemplou o desenho, levou-o aos lábios, e o beijo acertou a
cabeça da cavaleira, mas foi o original que corou. D. Úrsula entrou,
de súbito, com o seu presente: um estojo de joalheiro.
A festa correu animada: valsa, quadrilhas, jogo e
música, muita conversa e muito riso. Helena repartia-se entre todas
as pessoas. Depois da ceia, Camargo aproximou-se de Helena: "Estimei
achá-la só, porque pediu-lhe o braço até à sala. E disse-lhe
baixinho: "Muito se deve esperar da dedicação de uma moça, que acha
meio de visitar às seis horas da manhã uma casa velha e pobre, não
tão pobre que não a adorne uma flâmula azul..." E ela, lívida:
"Cale-se!". "Falo entre nós". "O senhor é cruel". "Sou pai
extremoso... Conto com a senhora".
Camargo, com a chantagem, quer que ela apresse o
casamento entre Estácio e Eugênia.Terminada a festa, Helena
recolheu-se ao quarto onde se entregou às lágrimas. Antes do jantar,
já se encontrava recuperada. Era hoje o dia do pedido da mão de
Eugênia, mas ele só pretendia fazê-lo dentro de quatro ou cinco
dias. Helena insistiu que ele fosse ainda àquela noite. Estácio não
considerou o pedido, precisava meditar ainda um pouco. Mas Helena,
resoluta: "Dou-lhe mês e meio. Nem uma hora mais! Estou morta por
vê-los casados, tanto por você como por ela, coitada, que o ama
tanto..." No dia seguinte, escreveu uma carta ao Camargo,
pedindo-lhe a filha.
O Dr. Camargo ficou radiante. D. Tomásia, a mãe,
sentenciou: "Há de ser uma boa esposa, modesta, solícita e
econômica". "Nem dissipada, nem miserável!" - retrucou Camargo. Mas
o pensamento de Eugênia estava em Andaraí: via a cerimônia do
consórcio, as carruagens, o apuro do noivo, a sua própria graça, a
coroa de flores, o vestido branco. "Daquele sonho, foi despertada
pelo pai, que lhe imprimiu na testa o seu segundo beijo. O primeiro,
como o leitor há de se lembrar, foi dado na noite da morte do
conselheiro. O terceiro seria provavelmente no dia em que ela
casasse".
A madrinha de Eugênia adoece, e os Camargo partem
para Cantagalo; e a moça exige que seu noivo também a acompanhe.
Despedindo-se de Helena, Estácio confessava-lhe a dor
de partir. "São apenas alguns dias...". Mas ele: "Valem por meses,
Helena! Adeus, não te esqueças de mim. Escreve-me; eu escreverei
logo que chegar. Não faças imprudências; não saias a passeio
enquanto eu estiver ausente." Estácio quis dar-lhe o abraço da
despedida; mas a moça, menos ainda com a palavra que com o gesto,
fê-lo recuar: "Não, as despedidas mais longas são as mais difíceis
de suportar".
O enredo II
As primeiras cartas de Estácio encontraram a tia e a
sobrinha, na varanda, em companhia de Mendonça. Helena leu a que lhe
era dirigida posta numa janela: "Quanto esta chegar às tuas mãos,
estarei morto, morto de saudades de minha tia e de ti. Nasci para os
meus, para a minha casa, os meus livros, os meus hábitos de todos os
dias. Nunca o senti tanto como agora que estou longe do que há de
mais caro neste mundo. Poucos dias lá vão, e já me parecem meses.
Que seria se a separação não fosse tão limitada? [...] escreve-me
longamente; conta-me tudo o que houver interessante; fala-me de ti,
que é o meio de consolar as minhas saudades, que são imensas. Vou
fazer por voltar breve. Adeus, minha boa Helena; adeus, minha vida,
adeus, ó mais bela e doce de todas as irmãs!" Na carta à tia, falava
acerca da viagem, da fazenda, dos familiares da madrinha de Eugênia.
O domingo amanheceu, e Helena foi à missa. Padre
Melchior, que soubera da carta de Estácio, pediu a Helena que o
deixasse vê-la. Lida a carta, dobrou-a com ar pensativo; depois
entregou-a à moça. "Já respondeu?" - perguntou-lhe. "Já", e entregou
a resposta ao padre. Falava ela de afeições gerais, dos amigos, do
cotidiano. O padre perguntou-se se cria que Estácio seria feliz.
Respondeu-lhe que sim. "Por que não se casa também? Pode ser que
muito breve, talvez..." "Talvez nunca." - disse - lhe Helena.
Melchior franziu a testa; e a fisionomia tornou-se severa como a
consciência dele. "Vamos almoçar" - disse ela. Após o almoço, o
padre procurou Mendonça e disse que ele e Helena eram dignos um do
outro.
Mendonça ficou radiante e escreveu uma carta a
Estácio, abrindo-lhe o coração em relação à Helena. Quando a carta
chegou a Cantagalo, Estácio voltava de um passeio com o pai de
Eugênia. Reconhecendo a letra, leu-a com assombro. Disse a Camargo:
"Recebo uma notícia que me obriga a partir amanhã." "Algum negócio
relativo a inventário?" "Justamente" - respondeu-lhe Estácio.
Camargo consolou a filha, disse-lhe que os sentimentos tinham que
ceder aos assuntos práticos. No dia seguinte, pela manhã, partiu em
direção à Corte. Todos ficaram felizes em vê-lo. Mendonça e Estácio
entraram no quarto. Mendonça perguntou-lhe se recebera a carta,
queria dar-lhe um abraço por sua felicidade. Perguntou-lhe Estácio
se Helena o amava. Disse-lhe que não com igual ardor, mas tinha
afeto por ele. E, descendo a escada, acompanhado por Mendonça,
Estácio dizia-lhe ter que consultar Helena.
Estácio procurou o padre Melchior, a quem explicou
que Helena não amava o noivo. O padre concordou, mas explicou-lhe
que ela por ele tinha admiração e apreço. Mas Estácio apontou-lhe
outra dificuldade: "...é que ela ama a outro". O padre empalideceu.
Mas disse a Estácio que Helena aceitava Mendonça de livre e
espontânea vontade. O moço afirma-lhe que não dará o consentimento,
uma vez que não desanima de descobrir a pessoa a quem Helena ama.
O padre ia responder a Estácio, mas Mendonça apareceu
- viera pedir conselhos ao padre ante a frieza de Estácio, que,
nessa ocasião, disse ao amigo, perguntada sua opinião acerca do
casamento, que Helena era muito menina e, além do mais, não o amava;
e o problema era a situação econômica de Mendonça, agora falido.
Ante esse argumento, este desistiu do casar-se com a moça. Estácio
narrou a Helena o que se passara em casa do padre: se a razão eram
as finanças, então ela desistiria da herança.
De manhã, ao acordar cedo e descer ao jardim, Estácio
viu Helena e o pajem cavalgando ao longe, e que a irmã saíra daquela
casa com a bandeira azul do desenho. Ante a pobreza da casa,
concluiu não ser a morada de um Romeu de contrabando. Moraria ali
uma família pobre, que a caridade de Helena vinha afagar de longe em
longe. Pensou em voltar para casa, mas, dominado pela suspeita,
resolveu entrar na casa, usando como desculpa a mão ensangüentada
que, antes, ferira em espinhos.
Pediu ao homem que atendera à porta água para lavar o
ferimento. Estácio, dentro da casa, viu que era ela pequena e
escura, com poucos móveis, só as flores davam ali um ar de vida. O
homem tinha uns 35 anos. Estácio, terminado o curativo, agradeceu a
acolhida. Estácio saiu de lá cheio de dúvidas. Durante o almoço,
procurou observar Helena: "Nos olhos parecia estampada a ignorância
do mal, e o sorriso era o das almas cândidas. Poder-se-ia atribuir
àquela criatura de dezessete anos corrupção e hipocrisia? Estácio
envergonhou-se de tal idéia, sentiu vertigens do remorso".
No gabinete, voltou a suspeita. Estácio arrancou, com
força, as mãos de Helena de seus olhos. Depois, olhou-a
profundamente como se quisesse arrancar-lhe o enigma. Helena ia
pegar-lhe as mãos, mas ele desviou o corpo. "Que é?" - perguntou-lhe
admirada. Estendeu o dedo sobre a misteriosa casa reproduzida na
paisagem. Helena olhou alternadamente para o desenho e para o irmão.
Lia-se no rosto dos dois a angústia. Ela tapou os olhos com as mãos.
Ele lançou para longe de si o quadro, com movimento de cólera; ela
atirou-se pelo corredor. D. Úrsula, não os vendo, procurou-os no
gabinete, dando com ele, sentado em uma poltrona, com o lenço na
cara; ele, erguendo-se, atirou-se-lhe aos braços, exclamando: "Que
fatalidade!". Recusou maiores explicações, dizendo-lhe que ela
saberia de tudo amanhã ou logo mais. Chegando o padre, os três foram
a uma das salas interiores. Estácio referiu a eles minuciosa e
sinceramente o que se passara desde aquela manhã.
D. Úrsula dizia-lhe não crer naquilo. Que chamassem
Helena, que ela explicaria tudo, que interrogassem o pajem Vicente.
Disse o padre: "Sossegue, D. Úrsula; a verdade há de aparecer, e não
estamos certos de que seja o que nos parece." Mas disse Estácio:
"Ela confessou tudo! Vi-lhe a expressão da culpa nos olhos. Nesse
momento, chega uma carta do Dr. Camargo, comunicando o falecimento
da madrinha de Eugênia. O padre pediu a D. Úrsula para ficar a sós
com Estácio.O padre perguntou-lhe se cria em Deus e nos dogmas da
Igreja. Respondeu-lhe que sim. "Pois bem, tu transgrediste a lei
divina, como a lei humana, sem o saber. Teu coração é um grande
inconsciente. Agita-se, murmura, rebela-se; vaga à feição de um
instinto mal expresso e mal compreendido. O mal persegue-te,
tenta-te, envolve-te em seus liames dourados e ocultos; tu não o
sentes, não o vês; terás horror de ti mesmo, quando deres com ele de
rosto. Deus que te lê, sabe perfeitamente que entre teu coração a
tua consciência há como um véu espesso que os separa, que impede
esse acordo gerador do delito". "Mas o que é, padre-mestre?" O padre
inclinou-se e encarou-o: "Tu amas a tua irmã!" O gesto mesclado de
horror, assombro e remorso com que Estácio ouvira aquela palavra,
mostrou ao padre, não só que ele estava certo, mas também que
acabara de revelar a verdade a Estácio. "O que a consciência
ignorava, sabia-o o coração". Estácio permaneceu como morto. E
acrescentou que Helena também o amava. "Impossível!" - exclamou
Estácio. Mas o padre continuou que ele assim pensava por não
conceber que Helena tivesse, além de um amor clandestino, um outro
incestuoso, o que faria dela um monstro. E afirmou: "Essa casa onde
a viste entrar é, com certeza, asilo de miséria; o que ela vai aí
levar é esmola e compaixão". Um raio de esperança alumiou a fronte
do moço. Como Helena estivesse recolhida, falaria com ela amanhã.
Inquieto, ruminava o que o padre lhe dissera; e, a cada minuto,
tornava-se-lhe mais clara a verdade revelada. D. Úrsula,
encontrando-o, disse-lhe estar sossegada, não perdera ainda a
confiança.
No outro dia, Estácio almoçou sozinho; D. Úrsula
estava com Helena. O padre, chegando a casa, perguntou por Helena.
"Já hoje desceu.", respondeu D. Úrsula. "Está ansiosa em vê-lo".
Sozinha com o padre, disse-lhe Helena: "Queria vê-lo! Não tenho
ânimo a falar a mais ninguém..." "É inútil! Tudo sei", é que Vicente
lhe contara tudo: aquele homem a quem visitava era seu irmão. Mas
Helena disse-lhe que o escravo mentira, sem querer, pois dissera o
que supunha ser verdade, não era seu irmão aquele homem.
O padre, pegou-lhe no pulso, perguntando-lhe, então,
de quem se tratava. Entregou ao padre uma carta, pedindo-lhe que a
lesse e que referisse tudo a Estácio e D. Úrsula, pois não tinha
ânimo de os encarar àquela ocasião. Disse ela: "Lido esse papel,
estão rotos os vínculos que me prendem a esta casa. A culpa do que
acontece não é minha, é de outros; aceitarei, contudo, as
conseqüências" e pediu-lhe a bênção, precipitando-se, depois, para o
corredor. Sozinho, o padre venceu o escrúpulo e leu a carta. Ficou
pálido. Entregou-a a Estácio, que a leu: era uma carta de Salvador,
o verdadeiro pai de Helena, à filha; nela, contava-lhe a visita de
Estácio, pedia-lhe que agisse com cautela, se fosse preciso, que ela
deixasse de visitá-lo por uns tempos, até que as desconfianças
desaparecessem, que não deixasse a casa, pois seria um escândalo.
Estácio quis ir ver Helena. O padre pediu-lhe calma.
Estácio estava confuso: se a carta era sincera, como explicar a
declaração testamentária do pai? E se não o era, como explicar a
audácia de semelhante invenção? O padre foi ter com Helena, a fim de
explicações. "Perdoaram-me?" "Hão de perdoar; conte-me tudo". "Não
posso, não sei; sei que é meu pai".
Estácio resolveu ir ao encontro de Salvador.
Mostrou-lhe a carta. "Confirma verbalmente o que escreveu?" "Helena
é minha filha". Mas o padre, que acompanhava Estácio, interveio
falando ao homem acerca do testamento do conselheiro Vale, que
reconhecia Helena como filha. E perguntou-lhe que provas ele teria
em contrário. "Nenhuma". Como supor, então, por parte do
conselheiro, uma falsificação? - perguntou-lhe o padre. "Suponha que
eu havia iludido a confiança do conselheiro, e que ele acreditava
ser o pai de Helena." Prometeu-lhes fazer uma declaração na presença
das duas pessoas a quem amava, abaixo de Helena.
Salvador aponta a Estácio duas soluções: ou tudo fica
como está ou ele partiria com Helena. Estácio disse-lhe que,
oportunamente, lhe daria uma resposta. O padre Melchior aconselhou-a
a manter a situação, pois Helena obedecera à vontade de seus dois
pais, aceitando o equívoco em que ambos a vieram colocar. Obedecera
à força. Estácio indagava se seria necessário conservar uma mentira.
"De seu pai", atalhou o padre. E acrescentou: "Compreendo, quisera
despojar Helena do título que se pai lhe deixou, par lhe dar outro,
ligá-la à família por diferente vínculo..." Estácio protestou. Mas
ele: "Esquece duas cousas graves: o escândalo e o casamento de um e
outro; sepultemos quanto se passou no mais profundo silêncio, e a
situação de ontem será a mesma de amanhã."
Naquela noite, Estácio sentiu a violência de seu amor
por Helena. Agora, roto o vínculo, ele reconhecia a força de sua
natureza. Mas deu razão ao padre; ao mesmo tempo, o exemplo de
Helena deu-lhe ânimo, pois, sabedora do segredo de seu nascimento,
amara-o sem crime, mas, não obstante, apressara-lhe o casamento com
Eugênia; e Estácio, não querendo ser menos generoso, escreveu a
Mendonça, tinha por fim que apressar o seu casamento e o dela.
Helena passara a noite em mortal angústia. Fugia a
todos, não encarava ninguém. O padre procurou-a, entregou-lhe a
carta do pai, a fim de dar-lhe ânimo. Mas ela não conseguia
alimentar-se. Por sete dias, alternou-se o estado de Helena. Em seu
delírio, chamava por Estácio e pelo pai. Procuram, como solução, o
pai de Helena. Mas o médico desenganou a família. Helena morreu. A
noite foi cruel para todos. Fechado o féretro, a Estácio pareceu que
encerravam a ele próprio. O padre pedia-lhe ânimo. "Perdi tudo" -
gemeu o moço. Ao mesmo tempo, na casa do Rio Comprido, a noiva de
Estácio, consternada com a morte de Helena, recolhia-se ao quarto de
dormir, e recebia à porta o terceiro beijo do pai.
Carlos Augusto Viana
Professor da Uece e dos colégios Batista, Geo e 7 de Setembro.
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