Vivaldo Lima de Magalhães
Insulamento
Sentado, à beira da cama, sozinho, em um quarto de
hotel, Marcus medita. Mergulhado em seus próprios pensamentos,
preocupado com o trabalho que iria apresentar dentro de uma hora, no
XIX Congresso Internacional de Telecinestesia Aplicada, ansiava que
os minutos passassem rapidamente, pois a matéria cujo tema seria
“Reversibilidade temporal e Percepção extra-sensorial” era assunto
de suma importância para a Humanidade.
De repente, Marcus se sentiu como que transportado para uma outra
dimensão. Embaraçado, pois não sabia exatamente o que lhe estava
acontecendo, procurou sair rapidamente do quarto, a fim de observar
essa transformação do lado de fora. Ao tentar alcançar a porta,
sentiu que o seu corpo ia perdendo peso gradativamente e, aos
poucos, alcançava o teto, a exemplo dos balões de borracha que as
crianças levam pela mão, nos parques de diversões.
Com as costas presas ao teto, fez força para baixo a
fim de sair daquela incômoda posição. Com muito sacrifício conseguiu
ficar de pé. Corpo inclinado para frente, meio desequilibrado,
calcanhares levantados, alcançou, em rápido lance, a maçaneta da
porta. Ao abri-la, maior foi o seu desapontamento, pois outras
portas se achavam logo atrás da primeira. À medida que ia abrindo as
portas, outra e outra, mais outra e outra, iam aparecendo logo
atrás...
Cansado e desesperado, Marcus lembrou-se que logo
ali, às suas costas, havia uma janela que dava para a rua. Virou-se
e dirigiu-se para o local onde deveria estar a tal janela. Sentiu-se
mais uma vez frustrado no seu intento. Ali não havia nenhuma janela
nem algo parecido. Apenas a parede, firme e sólida. A chance de
libertar-se daquela “coisa estranha” estava outra vez perdida...
O seu estado de imponderabilidade persistia e lhe
impedia os movimentos firmes. Olhou para os quatro cantos do quarto
e notou que as paredes começavam a formar ângulos de formatos
diferentes, abrindo e fechando ininterruptamente, ao mesmo tempo em
que tudo girava ao seu redor... Esfregou os olhos, julgando que
aquilo não passava de uma alucinação passageira, mas não teve êxito,
pois tudo lhe pareceu muito real.
Súbito, aquela sensação de imponderabilidade cessou.
De olhos fechados, com a parte superior do nariz presa entre o
polegar e o indicador da mão direita, permaneceu assim por alguns
instantes. Na esperança de que o que se passava era um terrível
pesadelo e que dentro em pouco ria acordar, voltando tudo ao normal,
pensou consigo mesmo: “eu preciso me acalmar. O pânico em que me
encontro está me prejudicando o raciocínio. Acho que esta sensação
deve ser conseqüência da mente cansada e muitas noites de
vigília...”
Acalmou-se. Abriu os olhos. Olhou ao seu redor,
ansioso e temeroso, na expectativa de encontrar-se como há uma hora
antes. Olhou para o relógio e notou que a reunião já começara quinze
minutos atrás. Seu desespero foi ainda maior, porque daí a 5 minutos
ele deveria estar apresentando a sua tese. Após rápido exame do
recinto onde se encontrava, caiu em desesperação, pois nada havia
mudado. Tudo continuava exatamente como antes...
Aos gritos de socorro, Marcus recomeçou a abrir as
portas uma a uma com extrema violência, para ver até onde chegaria.
Na centésima porta, parou. Caiu ao solo totalmente vencido. Esmurrou
o chão com tal força que chegou a quebrar dois dedos da mão direita.
Suas súplicas não encontraram eco. Parecia que lá fora tudo era um
imenso vazio...
“Que teria acontecido a essa gente, meu Deus –
exclamou - será que todo mundo se encontra em situação idêntica à
minha?!... Preciso sair daqui, preciso sair daqui...
S-o-c-o-o-o-o-r-r-o, s-o-c-o-o-o-o-r-r-o!...”
De repente, a dúvida. A terrível dúvida... “Será que
eu existo?...” - pensou. À sua lembrança veio aquela célebre frase
de Descartes, que ouviu pela primeira vez quando ainda era menino,
aluno do Lyceu: “COGITO, ERGO SUM” penso, logo existo... É isso
mesmo! Eu existo... Sim, eu existo... Mas quão idiota eu sou, meu
Deus! Quem irá comprovar isso, se não há relacionamento aqui entre
mim e outro ser humano? A única testemunha é este quarto silencioso
e maldito, no qual me encontro insulado.
Desolado, cabisbaixo, no isolacionismo do seu próprio
ser, sentiu que de nada valeram os seus esforços, no decorrer de 40
anos de vida, em busca de sua realização pessoal e profissional. Os
cursos que fez nas Universidades, os livros que publicou, as teses
que defendeu, as noites de vigília que passou mergulhado em seus
trabalhos e pesquisas, enfim, nada disso agora tinha importância
para ele. Era o caos. Antes, nem se lembrava que tinha mulher e
filhos para dar atenção. Agora, na solidão sentia a falta do lar,
que sacrificara para atender à sua sede de conhecimentos. Tudo
estava perdido e para sempre...
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