Vivaldo Lima de Magalhães
O Zetateu e o Procene
Em meu quarto o silêncio é profundo. Após um dia de
trabalho muito estafante tomei um banho morno e relaxei. Vesti umas
roupas leves, tentei folhear um livro para ler, ouvir uma música,
mas com o corpo cansado e as pálpebras pesadas, não resisti. Caí na
cama e dormi como uma criança.
Em meu sonho, estávamos eu e minha irmã Dina, andando
à beira da calçada de uma rua não identificada (o curioso era que eu
sabia, no meu sonho, que estava sonhando). De repente, paramos para
ver passar pelo meio da rua um cortejo. Parecia mais uma procissão.
Uma multidão que, ao invés de caminhar, deslizava, como se estivesse
sobre patins. Virei para minha irmã e falei: Dina, espere um pouco.
Essa gente toda que ai você está vendo também está sonhando como
nós. Esperemos para ver se encontraremos algum conhecido... Logo a
seguir, vi passando à minha frente, deslizando rua a baixo, um
colega de trabalho chamado Jorge. Os Jorges surgiram em minha vida
aos magotes. Além de um irmão e um cunhado, tive vários amigos e
colegas de escola e de trabalho com este nome. Todos, pessoas
finíssimas e de caráter exemplar. Não me lembro de nenhum Jorge que
tenha me desapontado.
Vamos ao sonho. Caminhei na direção do amigo,
segurei-o pelo braço e perguntei: Jorge, Jorge, você está me
vendo?... Ele parecia não notar a minha presença. Continuou
caminhando sem se desviar do seu itinerário, seguido pela gente
sonhadora. Mesmo assim, eu insisti e acrescentei: Jorge, vamos ver
se quando acordarmos iremos nos lembrar desse encontro!... Em
seguida, ele desapareceu no meio da multidão, que deslizava ladeira
a baixo. Voltei-me para minha irmã e, juntos, continuamos andando.
Paramos diante de um prédio antigo, bastante conservado, de
arquitetura colonial, onde funcionava uma instituição de ensino.
Entramos no edifício e deparamo-nos diante de um anfiteatro. Estava
lotando de estudantes de medicina. Em sua maioria, loiros de olhos
azuis. Todos ainda muito jovens e que por motivo de falecimento não
conseguiram concluir o curso. Agora estavam do outro lado do mundo
para terminar o que não puderam fazer em vida. Os estudantes, muito
atentos à aula do professor, não piscavam nem um olho. O professor
era o dr. Hugo Pinheiro, da Universidade Federal. Dirigi-me ao
professor e perguntei-lhe: Doutor, o senhor, por acaso, viu o dr.
Nilson Kosta, por aqui?... (o dr. Nilson foi meu chefe e,
posteriormente, diretor do Instituto do Pulmão, falecido em 1977). A
resposta do professor veio de imediato. Claro! – respondeu ele. E
continuou: Nem queira saber, meu caro jovem, o Nilson, assim que
chegou aqui, rompeu com o Procene e fundou o Zetateu. A julgar pelo
temperamento do meu ex-chefe, não havia nenhuma dúvida de que o
Nilson ao qual o prof. Pinheiro se referia era o próprio. Desde o
momento em que eu iniciava a conversa com o professor, a minha irmã
já não se encontrava ao meu lado. Desaparecera. Teria ela retornado
ao estado de vigília?...
Logo em seguida, eu acordei. Olhei o relógio de
cabeceira e notei que passavam das 2 horas da madrugada. Peguei uma
caneta e um bloco de papel, anotei aqueles dois nomes e voltei a
pegar no sono. Pela manhã, consultei os dicionários para saber o
significado das palavras. Será que elas existiam ou eram fruto da
minha imaginação onírica?.. Em resumo: a palavra Procene é vocábulo
estrangeiro, francês. O seu correspondente em português é Procênio,
que significa parte do palco adiante do cenário, junto à ribalta.
Todavia, quanto a palavra Zetateu,. não encontrei o seu significado
e/ou correspondência em nenhum dicionário. No entanto, desdobrando o
vacábulo, encontrei a palavra Zeta (Dzeta), 6ª palavra do alfabeto
grego, correspondente ao nosso “Z”. Curiosamente, no filme “Z”, do
cineasta Constantin Costa-Gravas, havia uma mensagem a partir do seu
título, que queria dizer: “Ainda vivo” ou “Ainda vive” , alguma
coisa neste sentido. Quanto ao sufixo “Teu”, de Zetateu, talvez seja
derivado do latim “Theurgia”, ou do português Teurgia, que
significa: magia baseada na comunicação com os espíritos celestes.
Por outro lado, pode ser também derivado do grego “Teuchos”, que
quer dizer livros: Pentateuco (os cinco primeiros livros do Velho
Testamento). Portanto, existe um leque de possibilidades de
interpretações para esses termos que eu ouvi durante o meu sonho e,
também, da própria mensagem transmitida por uma pessoa amiga já
falecida, enquanto eu dormia e sonhava.
Devo acreditar, sem dúvida, que este sonho encerra
uma mensagem do meu ex-chefe, afirmando que ele ainda vive (Zeta),
após rompimento da vida teatral vivida na Terra (Procene), e que a
sua vida continua junto aos espíritos celestes.
Talvez essas mensagens seja apenas simbólicas e seus
significados sejam completamente diferentes. Não estou bem certo.
Tudo isso que acabei de relatar, extraído de um sonho, é objeto de
especulação. Não tenho certeza absoluta de nada. Todavia, fazendo
eco a um velho provérbio espanhol, me permito a afirmar que: “Eu não
creio em bruxas, mas que elas existem, existem...”
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