Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Walther José de Faé


 


Sonetos magníficos de um humilde padre


(in Jornal O Liberal, 10.07.2005)

 

 

Acaraú foi o lugarejo, no Ceará, onde o futuro padre/poeta viu a luz do mundo. Em 1868, setembro era o mês, e o dia, 14. Antonio Thomaz Lourenço é o nome completo dele, segundo informações do escritor Raimundo de Menezes, em seu Dicionário Literário Brasileiro.

Quem eram os pais? Filho do professor Gil Thomaz Lourenço e D. Francisca Laurinda da Frota. Onde o futuro padre/poeta estudou as primeiras letras? Exatamente, em Sobral, quanto interesse pelas letras, incluindo-se o Latim, o Francês, com prioridades para o Português. A partir de 1891, Antonio Thomaz, após tantos estudos no Seminário de Fortaleza, ordenou-se padre.

Devoto, consciente de sua missão na vida terrena, “feito o voto de pobreza”, o padre-poeta viveu em paróquias do interior do Estado, vidinha humilde, modesta, apagada, convicto de seus objetivos, escrevendo versos magníficos (sonetos, de modo especial!) cuidando de passarinhos em liberdade, conforme outro poeta-escritor – Raimundo Girão – fez questão de relembrar.

Jamais o padre/poeta preocupou-se em publicar seus poemas, seus versos perfeitos na forma, de conteúdo humanístico, despojado, longe da glória efêmera e inútil.

Mesmo alheio às verdades de tantos literatos, cuidava de suas “ovelhas” com amor, e compunha versos, tantos versos. Alguns textos, mais de uma centena de Sonetos, sem a iniciativa dele, eram publicados, em 1901, nas colunas do Jornal A República. Os inúmeros admiradores, gostavam de poemas simbólicos e românticos, a maioria parnasianos, que era a moda naqueles tempos.

Nas páginas da revista “Ceará Ilustrado”, em 1924, a redação deu a público um concurso para saber quem era o Príncipe dos Poetas Cearenses. Sabem quem foi o vencedor? O padre Antonio Thomaz, mesmo sem ter livro publicado.

O TESTAMENTO DESSE NOTÁVEL POETA
 

Consta - no testamento, que ele deixou, sentindo a aproximação de sua morte, numa das cláusulas “pedia que seus poemas nunca fossem reunidos”, isto é, transformados em um LIVRO. Mesmo assim, tantos sonetos de sua lavra foram aparecendo em Antologias, várias, simples, modestas, mas trazendo dezenas de composições do ilustre e humilde poeta.

O padre Antonio Thomaz morreu no dia 16 de julho de 1941, já em Fortaleza, para onde se transferira de Sobral, tendo morado por algum tempo em Santana. Foi sepultado na Matriz de Santana. Por recomendação aos amigos foi sepultado sem caixão ou lápide para marcar-lhe a sepultura. E mais: “Quero ainda que meu corpo seja enterrado sem esquife, e que a pedra da sepultura seja reposta no mesmo plano ficando debaixo do chão, e que não se ponha em tempo algum, sobre ela, nome, data, inscrição ou qualquer sinal exterior que a faça lembrada”.

MAS, E OS BELOS VERSOS DELE?
 

Os versos não foram queimados, não foram rasgados, e ainda hoje, felizmente, sobrevivem e estão por aí, através de páginas esparsas, na internet, nas cartas trocadas entre os que apreciam, e se emocionam, como nós, com as belezas de seu estro, a musicalidade de seus sonetos.

Imortal, chega e permanece entre nós, nestas colunas de evocações e de saudades. Dos mais notáveis, os versos do soneto:
 

1.CONTRASTE

“Quando partimos no verdor dos anos
Da vida pela estrada florescente,
As esperanças vão conosco à frente,
E vão ficando atrás os desenganos.

Rindo e cantando, céleres, ufanos,
Vamos marchando descuidosamente;
Eis que chega a velhice, de repente,
Desfazendo ilusões, matando enganos.

Então, nós enxergamos claramente
Como a existência é rápida e falaz,
E vemos que sucede, exatamente,

O contrário dos tempos de rapaz:
Os desenganos vão conosco à frente,
E as esperanças vão ficando atrás!”

 

Esse, talvez o mais conhecido de seus sonetos, em Antologias, álbuns de admiradores. E mais outros belos poemas:
 

2. INVICTUS

“Mensageiros do Arcanjo revoltoso,
Homens descridos – vão em fero bando
Há dezenove séculos tentando
Roubar-te, ó Cristo, o cetro glorioso.

Mas sempre forte e sempre poderoso
Tu vais a todos eles suplantando,
E com o teu suave jugo, doce e brando,
Curva-se o mundo humilde e respeitoso.

Tens apesar da guerra a ti movida
Por essas almas fracas e pequenas,
A terra toda ao teu poder jungida.

E ainda, hoje, a um teu gesto apenas
Voltam de novo os Lázaros à vida
E vão beijar-te os pés as Madalenas”.

 

Outro soneto, também primoroso, que muitos jovens de nosso tempo, sabiam de cor, comoviam-se em repetir, de modo enfático, os 14 versos:
 

3. A MORTE DO JANGADEIRO

“Ao sopro do terral abrindo a vela,
Na esteira azul das águas arrastada,
Segue veloz a intrépida jangada
Entre os uivos do mar que se encapela.

Prudente, o jangadeiro se acautela
Contra os mil acidentes da jornada;
Fazem-lhe, entanto, guerra, encarniçada,
O vento, a chuva, os raios, a procela.

Súbito, um raio o prostra e, furioso,
Da jangada o despeja na água escura;
E, em brancos véus de espuma, o desditoso,

Envolve e traga a onda intumescida,
Dando-lhe, assim, mortalha e sepultura
O mesmo mar que o pão lhe dera em vida”.

 

Ainda não conhecemos, infelizmente, o livro de Dinorá Thomaz Ramos, que tem por título “O Príncipe dos Poetas Cearenses”. Ignoramos a editora e em que ano saiu do prelo. Quem sabe, algum dia... Milagres acontecem!

Na “Antologia Brasileira da Árvore”, organizada pela Poeta-escritora de S.Paulo, Maria Tereza Cavalheiro, encontramos um dos sonetos abaixo ps. 086 – 109, um em alexandrinos, difíceis e raros, o outro, em decassílabos, habituais:
 

4. ÁRVORE SOLITÁRIA

“Há cem anos ou mais, surgindo da abertura
De um penhasco, nasceu franzino arbusto, e agora,
Gigante vegetal, às nuvens se alcandora,
Banhando à luz do sol a coma verde-escura.

Nenhuma clara fonte em seu redor murmura,
Nem a abelha, zumbindo, a agreste flor lhe explora,
Nem lhe soam na fronde, ao clarear da aurora,
Da passarada alegre os cantos de doçura.

Qual mísero galé ao solo acorrentado,
Exposto fatalmente aos golpes do machado,
Às injúrias do tempo e à sanha das procelas,

Pranteia o velho angico a sua ingrata sina,
Do âmago vertendo o choro da resina,
Por sobre o tronco rude, em bagas amarelas”.

(do livro “O Príncipe dos Poetas Cearenses”)


 

Mais sonetos do Padre/Poeta, a revelar-nos a multiplicidade – abrangência de sua inspiração. Modesto, sem vaidades literárias, ou não, sempre abordou múltiplos temas. Vejam abaixo, outros versos do Padre Antonio Thomaz:
 

5. O PALHAÇO

“Ontem, viu-se-lhe em casa a esposa morta
E a filhinha mais nova, tão doente!
Hoje, o empresário vai bater-lhe à porta,
Que a platéia o reclama, impaciente.

Ao palco em breve surge...pouco importa
O seu pesar àquela estranha gente
E ao som das ovações que os ares corta,
Trejeita, e canta e ri, nervosamente.

Aos aplausos da turba, ele trabalha
Para esconder no manto em que se embuça
A cruciante angústia que retalha

No entanto, a dor cruel mais se lhe aguça
E enquanto o lábio trêmulo gargalha,
Dentro do peito o coração soluça”.

6.VOLTANDO À CASA

“Passei um mês, um mês inteiro, fora
Do meu lar, sem ouvir os passarinhos,
Sem ver o louro bando de amiguinhos
Que aí deixei! Triste e cruel demora.

Mas, afinal, eis-me de volta agora,
E na ânsia de ver os coitadinhos,
Que suspiram talvez por meus carinhos,
Fustigo o meu corcel, que o chão devora.

Avisto a casa além, dobro a tortura
Que dela me separa...Oh! que ventura
Eu sinto na alma ao ir-me aproximando!

Chego ao portal, puxo o ferrolho e entro,
E me recebem pela sala a dentro
Crianças rindo e pássaros cantando.”

 

Críticos respeitáveis, declaram que o boníssimo Padre/Poeta, orgulhoso do Ceará, muita vezes é plagiado por “medíocres” poetinhas, que se ufanam de seguir-lhe os passos. Não é muito difícil descobrir os enganadores, pois o conteúdo de belos poemas do Sacerdote não poderão jamais ser “repetidos” sem a Alma, a inspiração, a perfeição dos originais.

ALGUNS REPAROS NOS VERSOS
 

Em alguns versos, há palavras modificadas, se confrontarmos textos com outros iguais, em outras obras:

1 – Contraste – o termo vigor aparece em outros livros – VERDOR.
No primeiro terceto: em lugar de fugaz – é falaz.
No quarto verso do segundo quarteto: não existe o artigo “as” (ilusões).
2 – A morte do Jangadeiro – 1O. verso do segundo quarteto – acautela, em lugar de acastela.
3 – Voltando à Casa – no 2O. verso – “sem ouvir meus passarinhos” / sem ouvir “os passarinhos”, é a forma correta. No quarto verso: “Que aí deixei! Cruel, longa demora”; o certo é: “Triste e cruel demora.”
 

Há, infelizmente, outros termos, palavras e frases erradas em muitos sonetos. Que o Padre/Poeta perdoe as transcrições infiéis e absurdas. Em outras oportunidades, divulgaremos mais textos do ilustre cearense.

 




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19/10/2005