Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Whisner Fraga


 

A palavra sitiada

 

Antônio Mariano observou em recente entrevista, que “a referência da crítica é naturalmente o canônico”. Nem sempre. Principalmente porque vivemos um período em que os escritores e críticos se encontram órfãos de cânones. Atabalhoados, os julgamentos literários primam pelo tom caótico e bajulador, mas nada acrescentam a nenhuma discussão. Abandonados os modelos consagrados, a nova poética carece de critérios. Originalidade, precisão e métrica se dissimulam em versos pretensamente experimentais e excessivamente abstracionistas.

Como emitir opiniões decisivas sobre o livro Guarda-chuvas esquecidos, de Antônio Mariano? A solução para o resenhista é se silenciar diante das obras de má qualidade e chamar a atenção do leitor para o que deve ser lido. Ao crítico reserva-se o dever de elencar às regras correntes as alíneas de uma nova teoria.

Lançado pela recém-criada editora Lamparina, a antologia de Mariano está dividida em cinco partes: Pretéritos, Dispersos, Desorientações e uma breve reunião das principais poesias de seus dois primeiros livros, agrupadas sob os títulos Primeiro resgate e Segundo resgate. As três primeiras partes são indiscutivelmente superiores aos dois resgates.

Com um vocabulário simples, Mariano tenta reconstruir o fazer poético por meio do espanto, do inusitado, da concisão e da já citada precisão. Aqui presente também o jogo de palavras como busca de um novo dizer, como nos trechos: “O fel tinha/ outro feeling”, “Língua era lã-/ mina”, “Loucos/ lado alado”, em que o poeta privilegia a sonoridade dos versos, mas não abre mão do sentido e da metáfora.

A terceira (e melhor) parte do livro é toda haicai. É quando o poeta mostra domínio sobre a palavra. Neste estilo não pode haver desperdício e Antônio prova conhecer muito bem seu ofício. São dele esses versos brilhantes: “No dia da mentira/ desfaço-me em lágrimas:/ girassol de abismos.”

Permeada de questões metafísicas, a poesia de Guarda-chuvas esquecidos revela uma visão desorientadora de mundo, em que a solidão e o entendimento são a única saída para a sobrevivência de qualquer sentimento humanista. A arte em Antônio Mariano permanece com sua função questionadora e a este respeito o poeta expressa com precisão: “Me perguntar tantas vezes:/ o que se passa comigo?/ E a mim mesmo responder:/ sei, mas não digo.”

Mariano é um poeta ainda em composição, mas como atesta Cláudio Daniel no prefácio da obra, “não é apenas uma promessa, mas um fascinante desafio”. E à lida do artista estarão sempre amalgamadas a contenda e a transgressão.


. Guarda-chuvas esquecidos
. De Antônio Mariano
. Editora Lamparina, 110 páginas

 

Whisner Fraga é escritor, autor de Coreografia dos danados (Edições Galo Branco).
 

 

Antonio Mariano de Lima

Leia Antonio Mariano
 

 

 


 

30.06.2005