Wilson Martins
Prosa & Verso,
03.7.1999
Poetas e poetas
O nosso não é, claramente, um daqueles
momentos em que a poesia se encontra no centro de referência da
literatura. Nos ciclos de curta duração, esse posto foi
sucessivamente ocupado entre nós pelos poemas modernistas, pelo
romance dos anos 30, pelos estudos brasileiros, pelo ensaio
sociológico, pela historiografia, pela lingüística, pela teoria
literária e, com a exaustão das duas últimas, de novo pela história,
agora representada também pelas biografias.
As transformações do nosso tempo,
escrevia há pouco Brad Leithauser, "rejeitaram o poeta para a
periferia da vida cultural", o que, por natural conseqüência,
repercutiu sobre o vigor criativo do gênero, seja pelo inevitável
impulso de renovação, quase sempre impotente, seja pelo esgotamento
da temática, seja pelo desejo de transformá-la em manifesto político
e ideológico para superar-lhe o desprestígio. Tudo isso tirou-lhe a
vitalidade espontânea, agravando a sensação de gratuidade inútil e
exercícios de escala: os poetas entregam-se, em geral, ao
autobiografismo narcisístico e à repetição dos lugares-comuns que,
justamente, os desqualificaram. Pode-se aplicar a muitos desses
poemas o que o crítico norte-americano Randall Jarrell (cit. por
Brad Leithauser) dizia a respeito de outros, isto é, que parecem
escritos numa máquina de escrever por outra máquina de escrever (o
que, no caso brasileiro, descreve literalmente os concretistas).
Nesse contexto, a maravilha está na
imperturbável resiliência da poesia, não só porque poetas de alta
qualidade continuam a surgir nos diversos países - em número
previsivelmente reduzido - mas também porque a legião dos demais,
desaparecendo no instante mesmo em que aparecem, mantém a vitalidade
das literaturas. De fato, só pode haver grande literatura onde
floresce a subliteratura (palavra de que eu desejaria extirpar
qualquer conotação pejorativa), caldo de cultura de que a outra
necessita. Pela lei dos grandes números, os escritores medíocres
propiciam o aparecimento dos outros, assim como são as obras
frustradas ou imperfeitas que dão aos maiores a idéia das
obras-primas.
O quadro brasileiro contemporâneo
confirma esse panorama de variedade harmoniosa, inclusive no que se
refere aos altos índices de mortalidade editorial. Se Poesia Sempre,
da Biblioteca Nacional (ano 7, nº 10, março 1999), resolve o
problema com a fuga para a frente, "globalizando" o fenômeno em
antologias internacionais, outra revista semestral (Literatura, nº
14, junho 1998), publicada pela editora Códice, de Brasília,
prestigia os conhecidos e os desconhecidos, os mais jovens e os
menos jovens, desde as sobrevivências modernistas de Paulo Nunes
Batista aos numerosos autores fascinados pelo mistério insondável da
criação poética, tema que jamais preocupou os grandes poetas - que
se contentam com escrevê-la - além dos que se encantam com a própria
singularidade (aliás coletiva).
Fenômeno interessante é o retorno de
um parnasianismo que não ousa dizer o seu nome, isto é, a prática de
poemas de forma fixa, sem excluir os mais difíceis, como a sextina
(Fernando Py. Sol nenhum. Rio: UAPÊ, 1998) e os tercetos (Majela
Colares. A linha extrema, Rio: Calibán, 1999), além das Odes
brasileiras (Rio: Imago/Fundação Biblioteca Nacional, 1998), de
Ildásio Tavares, ao lado de uma poesia altamente literária, como a
de César Leal (Tempo e vida na terra. Rio: Imago/Fundação Biblioteca
Nacional, 1998).
Escrita em versos, a poesia de
Linhares Filho (Itinerário. São Paulo: Scortecci, 1999) é pensada em
prosa, dedicada à família, à religião, aos amigos, às viagens, ao
circunstancial de todo dia, sem esquecer os 500 anos do Brasil, a
que dedica um soneto autobiográfico: "O meu itinerário de trinta
anos / de Poesia aproxima-me esta vida de marinhagem []." Há, nesse
conjunto, o belo poema cívico de inspiração gregoriana, estruturado
sobre o refrão "Cala-te boca" ("Filosofia de um comunicador
criticado").
Claro, o Quinto Centenário será
matéria para as vibrações épicas das odes, mas as de Ildásio Tavares
são, antes, a celebração dele mesmo, em prosa poética de largo
fôlego, tornando, por isso mesmo, mais constrangedor o texto infeliz
e chulo da "Ode puritana". O contraste é ainda mais chocante em face
de César Leal, poeta de sólida cultura clássica e profundo respeito
pela literatura. É também o que caracteriza as sextinas de Fernando
Py e os poemas de Majela Colares, cujos tercetos giram no vazio, sem
um pensamento poético perceptível, além dos virtuosismos de pura
técnica. De fato, malgrado o costumeiro contra-senso que se comete
sobre um aforismo mallarmeano, é o poema, não a poesia, que se faz
"com palavras". Para que haja poesia, é preciso alguma coisa mais, a
metáfora poética. Assim, diz um tratadista, é óbvia, na Divina
comédia, a referência simbólica à Santíssima Trindade. Em outras
palavras, os tercetos repousam sobre uma estrutura de pensamento.
Basta ler os de Olavo Bilac para perceber onde está a diferença.
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