Na célebre "Notícia da 
							atual literatura brasileira" (1873), Machado de 
							Assis lamentava a inexistência de "uma crítica 
							doutrinária, ampla, elevada, correspondente ao que 
							ela é em outras partes. Não a temos. Há e tem havido 
							escritos que tal nome merecem, mas raros, a espaços, 
							sem a influência quotidiana profunda que deveram 
							exercer. A falta de uma crítica assim é um dos 
							maiores males de que padece a nossa literatura: é 
							mister que a análise corrija ou anime a invenção, 
							que os pontos de doutrina e de história se 
							investiguem, que as belezas se estudem, que os 
							senões se apontem, que o gosto se apure e eduque 
							para que a literatura saia mais forte e viçosa e se 
							desenvolva e caminhe aos altos destinos que esperam" 
							(Machado de Assis. O ideal do crítico. Org. Miguel 
							Sanches Neto. Rio: José Olympio, 2008).
							
							Ele tinha em mente o 
							crítico ideal, figura ao mesmo tempo imaginária e 
							impossível – impossível, não por causa das 
							imperfeições humanas, mas porque a idéia é 
							contraditória em si mesma: o crítico ideal só 
							poderia existir numa literatura ideal, da qual seria 
							produto espontâneo e desnecessário. Poderemos vê-la 
							como a consciência da literatura, para lembrar o 
							postulado do hoje esquecido Ernest Hello 
							(1828-1885), e, de fato, é em tais perspectivas que 
							a encarava: "Exercer a crítica afigura-se a alguns 
							que é uma fácil tarefa, como a outros parece 
							igualmente fácil a tarefa do legislador; mas, para a 
							representação literária, como para a representação 
							política, é preciso ter alguma coisa mais que um 
							simples desejo de falar à multidão. Infelizmente é a 
							opinião contrária que domina, e a crítica, 
							desamparada pelos esclarecidos, é exercida pelos 
							incompetentes".
							
							A ciência e a 
							consciência, dizia ele, "eis as duas condições 
							principais para exercer a crítica", retomando a 
							lição de Rabelais segundo a qual "ciência sem 
							consciência é a ruína da alma": "A crítica útil e 
							verdadeira será aquela que, em vez de modelar as 
							suas sentenças por um interesse, quer seja o 
							interesse do ódio, quer o da adulação ou da 
							simpatia, procura reproduzir unicamente os juízos da 
							sua consciência". Dessas duas cláusulas "decorrem 
							naturalmente [sic] outras: a coerência é uma dessas 
							condições, e só pode praticá-la o crítico 
							verdadeiramente consciencioso (...). Sem uma 
							coerência perfeita, as suas sentenças perdem todo o 
							vislumbre de autoridade, e abatendo-se à condição de 
							ventoínha, movida ao sopro de todos os interesses e 
							de todos os caprichos, o crítico fica sendo 
							unicamente o oráculo dos seus inconscientes 
							aduladores".
							
							Assim, o exercício da 
							crítica repousa, antes de mais nada, em seus 
							fundamentos morais, como, de uma forma ou de outra, 
							são de ordem moral as demais recomendações 
							machadianas, vindo a independência logo a seguir na 
							enumeração: "O crítico deve ser independente (...) 
							independente da vaidade dos autores (ai de nós!) e 
							da vaidade própria (ai de nós!). Não deve curar de 
							inviolabilidade literárias, nem de cegas adorações, 
							mas também deve ser independente das sugestões do 
							orgulho e das imposições de amor-próprio".
							
							Por isso mesmo, "a 
							tolerância é ainda uma virtude do crítico. A 
							intolerância é cega, e a cegueira é um elemento do 
							erro, o conselho e a moderação podem corrigir e 
							encaminhar as inteligências, mas a intolerância nada 
							produz que tenha as condições de fecundo e 
							duradouro". Escrevendo no tempo de Sílvio Romero e 
							seus discípulos, e quando a polêmica grosseira e 
							insultosa era um gênero literário, é natural que 
							apontasse na urbanidade uma das condições da 
							crítica: "Moderação e urbanidade na expressão, eis o 
							melhor meio de convencer; não há outro que seja tão 
							eficaz. Se a delicadeza de maneiras é um dever de 
							todo homem que vive entre homens, com mais razão é 
							um dever do crítico, e o crítico deve ser delicado 
							por excelência. Como a sua obrigação é dizer a 
							verdade, e dizê-la ao que há de mais suscetível 
							neste mundo, que é a vaidade dos poetas, cumpre-lhe, 
							a ele sobretudo, não esquecer nunca esse dever".
							
							Com tantas 
							dificuldades à sua frente, não estranha que a 
							virtude da perseverança seja mais uma das 
							recomendações – do que, aliás, ele próprio não deu o 
							exemplo. São os deveres da consciência, mas há, 
							ainda, os óbvios deveres da ciência: "Saber a 
							matéria em que fala, procurar o espírito de um 
							livro, indagar constantemente as leis do belo, tudo 
							isso com a mão na consciência e a convicção nos 
							lábios, adotar uma regra definida, a fim de não cair 
							na contradição, ser franco sem esperteza, 
							independente sem injustiça, tarefa nobre é essa que 
							mais de um talento podia desempenhar, se se quisesse 
							aplicar exclusivamente a ela".
							
							Se o programa parece 
							difícil, podemos pensar que, dependendo da vocação e 
							legítimas propensões do espírito, será, ao mesmo 
							tempo, fácil e espontâneo. Os resultados "seriam 
							imediatos e fecundos". Concluía Machado de Assis em 
							rara demonstração de otimismo.