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Zetho Cunha Gonçalves .
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Uma língua
é o lugar
donde se vê
o mundo
Vergílio Ferreira
Vozes 
Poéticas da 
Lusofonia 
Na minha língua... 
cada verso é uma 
outra geografia. 
Manuel Alegre
 
 
 
 
 
VOZES POÉTICAS DA LUSOFONIA  
Edição: Câmara Municipal de Sintra  
Organização: Instituto Camões  
Coordenação: Alice Brás  
                     Armandina Maia  
Seleção de textos: Luís Carlos Patraquim  
Capa: LPM — Idéias e Acções  
Realização gráfica: Gráfica Europam, Ltda.  
Mem Martins – Portugal  
Depósito legal: 138134/99  
Maio, 1999
 
 
ANGOLA 
    Ana Paula Tavares 
    Arlindo Barbeitos 
    João Melo 
    Jorge Monteiro dos Santos 
    José Luís Mendonça 
    Manuel Rui 
    Maria Alexandre Dáskalos 
    Raul David 
    Ruy Duarte de Carvalho 
    Zetho Cunha Gonçalves
 
Zetho Cunha Gonçalves
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O testamento do mundo 
Escorraçados da morte 
Os ombros mudalam o vento
 
O TESTAMENTO DO MUNDO
 
 
      Porque daqui se levantará 
      todo o horizonte, nasces — a terra toda  
      em alfabetos, assombros,  
      degraus. 
      E se abrem os tesouros: 
      vertigem: as vísceras iluminadas. 

      Porque sou eu quem levanta das palavras o dizer  
      inscrevo nas fábulas o fogo,  
      o arco e a pedra, a seta envenenada  
      e o sangue — a sua carne  
      lacrimejante. 
      E nenhuma voz (rio adormecendo  
      a margem frágil) repetirá a voz  
      deste dizer, a sua caligrafia  
      do vôo 
      dirá a flecha, 
      da viagem, os caminhos. 

      Porque daqui se levantará 
      todo o horizonte, nasces - Terra  
      e nósmada 
      — Bosquímano.

 
  
ESCORRAÇADOS DA MORTE
 
 
 
      Escorraçados da morte 
      soletram 
      a nómada caligrafia dos pássaros.   
      Soletram — e soletram:  
      alfabeto de passos, um linguajar de setas 
      envenenadas pedras. 

      Da Lua viemos, nascemos — obrigado,  
      Paizinho. Escorraçados da morte  
      a terra nos levará à água? 
      Sem mapas nem sentido  
      do regresso — nosso é o fogo  
      passo a passo em tições guardado. 
      E as matas — para andar, sobreviver. 

      Escorraçados da morte 
      soletram 
      a nómada caligrafia dos pássaros.   
      Soletram — e soletram: alfabeto de passos,  
      um linguajar de setas 
      envenenadas pedras.

 
 
OS OMBROS MODULAM O VENTO
 
      Entristece 
      a tua tristeza — e canta 

      (os ombros modulam o vento 
      modulam a noite 
      a soberana voz 
      dos horizontes) 

      entristece 
      a tua tristeza 
      — e canta


Página inicial da antologia Vozes Poéticas da Lusofonia 
Página inicial do Jornal de Poesia