Uma "Festa da Língua", em Sintra, que se fixa em antologia de poetas.
A relação breve cinge-se no dizer para o que ela não
serve. Porque não é temática, nem panorâmica.
Porque se propõe, só, a ser reunião de algumas das
vozes que se repartem pelas sete ilhas de um arquipélago prenhe
de inúmeras variações, ao sabor dos mais inesperados
desencontros e espantações, onde se lnterseccionam conjuntos
e sub-conjuntos, desidentidades jubilatórias. Cerca de 50 autores
assim reunidos segundo disponibilidades da mais diversa ordem, por vezes
o tempo, ápice de um contacto e a anuência posterior, porque
se quis que fossem poetas vivos, no estrito sentido do termo.
Se houver tema neste Msaho* então será o da Língua.
Mas de uma Língua retraduzlndo-se, ora cada vez retráctil,
ou sibilantemente bífida, agora anqueando-se em crescendo de combinatórias,
rítmicas e olorosas pelas várias cores das vogais, como sabemos
desde a visão do aventureiro de Harrar. E o desacerto cercá-lo-á,
ao Msaho: sons inesperados, ritmos dissonantes, indagações
e invocações, desconseguimentos. Que a achada é
vária, de cerradinhas partes que podem ser verdes e supõe
tanto de ciência como de fortuna porque Ítaca são uma
e muitas, passados que sejam cabos de uma geografia no Tempo, feita de
cânones literários, indagações ontológicas,
correntes e influências.
Eu vi o grito em uma luz perdida dentro de uma enseada na garganta — podia
dizer. Vozes entrando pela porta estreita, lusobáquicoquezilentas
a ensombrarem os dongos que não são de Caronte as barcas
mas arbóreos ventres sobre a pele líquida, navegação
do uno.
Desdobram-se as palavras como adejantes e leves se soltam os panos do corpo,
mudas aves pousando nas coisas, debicando-as até à nudez.
E mordo as imagens. Salto-as. Soltá-las é desconseguimento,
recusa.
Há só uma breve relação. Um leão ladeia
as portas do teu ânimo de ferro, um quatro de pedra propiciatória,
a senhora das tempestades, a musa, a grande e única razão,
o oriente em seminal apropriação, hábito da terra,
mukai na leveza do luar crescente, a sombra de Helena que as sombras soluçam,
meu pai que não amei, a cicatriz que já não desfeia,
o livro da noite que por medo não lerei, porque alguma voz são
todas as vozes e há uma casca de osso e uma tarde em lpanema e um
dia impossível de lilazes.
Como esta antologia. Porque todas as antologias são impossíveis
— dizem que polêmicas, cheias de equívocos e compromissos
— tentação dissonante de descobrir correspondências
ou só listar, por uma idéia a propor ao invisível
leitor. Por vezes com despudor, impondo.
Aqui não. Depondo, digo, de uma só ordem que fascina e que
o JLB uma vez propôs, desencadeando, noutro, as palavras e as coisas.
E nem tentação de ensaiar, dissertar. Um poema lê-se
por uma apropriação de sinais que só pode desencadear
outro poema. Ofertando-se mutuamente como queriam os poetas chineses
ou em trocas, osmoses, plasma refluindo, sugando-se.
E eis que neste livro vos não chegam países mesmo que sejam.
Repito: breve relação do Ser no Tempo. A pastorícia
das imagens.**
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