Dalila Teles Veras
Rio Macacos, de Soares Feitosa
1) Aceito de bom grado o seu convite
e mergulho em Rio Macacos e outros poemas, dicção solta e arrebatada
herdada de Castro Alves e lusos rapsodos, desembocando nessa pequena
jóia de ensaio Os Poemas da Besta, apocalíptica visão dantefeitosa
do aqui e agora. Sabia de seus feitos via Internet (via minhas
assessoras (filhas) que são afeitas a essas viagens e que, a meu
mando e pedido, navegam comigo em mares unicamente lúdicos, como seu
Jornal de Poesia).
Li o artigo de Marcelo Coelho e os
caminhos como Rio Macacos de toda aldeia, vão se cruzando antes do
mar, o grande mar salgado, cujas lágrimas hoje não são mais de
Portugal, mas de toda a humanidade. Agorinha mesmo, ainda
impressionada com o poema Pantomina, de Cajazeiras Ramos de, quem,
infelizmente, nunca ouvi falar, e de sua análise tão arrebatadora do
mesmo, recebo, via correio, um convite para o lançamento de Fiat
Breu, em São Paulo. Caminhos novamente cruzados e uma vontade enorme
de cruzar a Via Anchieta na noite de amanhã para ir ao encontro
dessa poesia tão festejada.
2) Um livro de poesia é para ler,
para ver, para sentir para cheirar: Psi, a Penúltima é um desses
pratos cheios de poesia para saborear em todos os sentidos. O
cearense/pernambucano/baiano Soares Feitosa é mais um poeta desses
brasis que não está nas megalivrarias dos shoppings. Este mais-um
não significa igual-a-outro, pois que se trata de um poeta
absolutamente singular, verdadeira locomotiva movida a palavras.
Difícil acreditar que tenha começado a escrever poesia apenas aos 50
anos de idade — ou seja, há apenas quatro anos. De 1993 para cá, a
tal máquina desandou a remexer em toda lembrança e emoção vividas
nesse meio século de vida, que é do que se alimenta a poesia desse
universal nordestino a mostrar que é o homem e o sentir sua melhor
matéria-prima. a Grécia é aqui mesmo no Nordeste. Psi, a 23ª letra e
a penúltima do alfabeto grego, quando a maiúscula é vista como
candelabro, quando a minúscula transforma-se visualmente em
mandacaru. “Por que a penúltima, Compadre? / A última não seria mais
rica / o ômega? / — A última não existe, Comadre, / nada é último...
/ só ele quando voltar.../ Último acaba..., encerra..., aniquila. /
Penúltimo nunca esgota, / Sempre é possível criar... / Criar por
sobre...!!! / Tudo em aberto, Comadre.” Atenas ou Baturité
amalgamadas pela Seca, pela peste e por seus mitos. Bem que poderia
ser Petrogrado ou Diadema, ou ainda, qualquer periferia violenta de
qualquer grande cidade. O campo cego do poema é o Homem, que neste
cordel helênico, celebra Zeus e São Francisco do Canindé.
Despudoradamente também fala de amor o rapsodo (“quem sustenta as
aventuras da arribaçã?”), e ainda assina embaixo e ilustra o poema
com prosaica foto do forasteiro e sua bela serrana.
Quem, dentro todos os
“pós-qualquer-coisa” deste prepotente eixo Rio-São Paulo, que se
envergonham de um dia ter lido (e gostado) de Castro Alves ousaria
tal pieguice? Pois Feitosa o faz!, e, já na outra página, disfarça o
sentimentalismo desenhando poemas de tipologias diversas — poesia de
ver. Outra surpresa: no meio do livro, um envelope fechado, em papel
pardo, anuncia o conteúdo: sementes de imburana-de-cheiro, torradas
e moídas pelo próprio autor. Sem conservantes e produtos químicos. E
o perfume invade o espaço: poesia do sentir!
O referencial é erudito, mas a dicção
e a origem é da mais pura cantoria nordestina. Não satisfeito, o
também cibernético Feitosa mantém, há um ano, o Jornal de Poesia que
já ultrapassa 1 mil poetas de língua portuguesa, de Camões a
Feitosa.
Leia "Rio Macacos", Soares Feitosa
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