Fernando Pessoa



 

1 - Uma névoa de Outono o ar raro vela, (5-11-1932)
2 - Um dia baço mas não frio... (18-3-1935)
3 - Universal lamento (28-9-1926)
4 - Vaga saudade, tanto (3-8-1934)
5 - Vai alta a nuvem que passa, (15-6-1933)
6 - Vai alto pela folhagem (5-9-1933)
7 - Vai lá longe, na floresta, (1-2-1934)
8 - Vai pela estrada que na colina (15-12-1932)

 
 

Uma névoa de Outono o ar raro vela, (5-11-1932)

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta               [...]
 

 


Um dia baço mas não frio... (18-3-1935)

Um dia baço mas não frio...
Um dia como
Se não tivesse paciência pra ser dia,
E só num assomo,
Num ímpeto vazio
De dever, mas com ironia,
Se desse luz a um dia enfim
Igual a mim,
Ou então
Ao meu coração,
Um coração vazio,
Não de emoção
Mas de buscar, enfim -
Um coração baço mas não frio.


Universal lamento (28-9-1926)

Universal lamento
        Aflora no teu ser.
Só tem de ti a voz e o momento
Que o fez em tua voz aparecer.
 

Vaga saudade, tanto (3-8-1934)

Vaga saudade, tanto
Dóis como a outra que é
A saudade de quanto
Existiu aqui ao pé.

Tu, que és do que nunca houve, 
Punges como o passado 
A que existir não aprouve.
 

Vai alta a nuvem que passa, (15-6-1933)

Vai alta a nuvem que passa,
Branca, desfaz-se a passar,
Até que parece no ar
Sombra branca que esvoaça.

Assim no pensamento
Alta vai a intuição,
Mas desfaz-se em sonho vão
Ou em vago sentimento.

E se quero recordar
O que foi nuvem ou sentido 
Só vejo alma ou céu despido
Do que se desfez no ar.
 

 

Vai alto pela folhagem (5-9-1933)

Vai alto pela folhagem
Um rumor de pertencer,
Como se houvesse na aragem
Uma razão de querer.

Mas, sim, é como se o som
Do vento no arvoredo
Tivesse um intuito, ou bom
Ou mau, mas feito em segredo,

E que, pensando no abismo
Onde os ventos são ninguém,
Subisse até onde cismo,
E, alto, alado, num vaivém

De tormenta comovesse
As árvores agitadas
Até que delas me viesse
Este mau conto de fadas.

Vai lá longe, na floresta, (1-2-1934)

Vai lá longe, na floresta,
Um som de sons a passar,
Como de gnomos em festa
Que não consegue durar...

É um som vago e distinto.
Parece que entre o arvoredo
Quando seu rumor é extinto
Nasce outro som em segredo.

Ilusão ou circunstância?
Nada? Quanto atesta, e o que há
Num som, é só distância
Ou o que nunca haverá.

Vai pela estrada que na colina (15-12-1932)

Vai pela estrada que na colina
É um risco branco na encosta verde -
Risco que em arco sobe e declina
E, sem que iguale, se à vista perde -

A cavalgada, formigas, cores,
De gente grande que aqui passou.
Eram dois sexos multicolores
E riram muitos por onde estou.

Por certo alegres assim prosseguem.
Quem porém sabe se o não sou mais -
Eu, só de vê-los e como seguem;
Eu, só de achá-los todos iguais?

Eles para eles são um do outro;
Pra mim são todos - a cavalgada -,
Numa alegria, distante e neutro,
Que a nenhum deles pode ser dada.

Os sentimentos não têm medida,
Nem, de uns para outros, comparação.
Vai já na curva que é a descida
A cavalgada meu coração.


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