Fernando Pessoa






Se já não torna a eterna primavera (s.d.)
Ser consciente é talvez um esquecimento
Sim, já sei...
Soam vãos, dolorido epicurista
 



Se já não torna a eterna primavera
        Que em sonhos conheci,
O que é que o exausto coração espera
        Do que não tem em si?

Se não há mais florir de árvores feitas
        Só de alguém as sonhar,
Que coisas quer o coração perfeitas,
        Quando, e em que lugar?

Não: contentemo-nos com ter a aragem
        Que, porque existe, vem
Passar a mão sobre o alto da folhagem
        E assim nos faz um bem.

Poemas de Ricardo Reis.



Ser consciente é talvez um esquecimento. (1932)

Ser consciente é talvez um esquecimento.
Talvez pensar um sonho seja, ou um sono.
Talvez dormir seja, um momento,
Voltar o spirto nosso a ser seu dono.

Quem me diz que o rochedo bruto e quedo
Não é o verdadeiro consciente -
O êxtase perene de uma mente
Que deixa o corpo hirto ser rochedo?

Só a morte o diz - mas quem me diz que o diz?

Poesias Inéditas (1930-1935). 



Sim, já sei... (4-10-1934)

Sim, já sei...
Há uma lei
Que manda que no sentir
Haja um seguir
Uma certa estrada
Que leva a nada.

Bem sei. É aquela
Que dizem bela
E definida
Os que na vida
Não querem nada
De qualquer estrada,

Vou no caminho
Que é meu vizinho
Porque não sou
Quem aqui estou.

Poesias Inéditas (1930-1935). 




I - Soam vãos, dolorido epicurista, (27-02-1909)

I

Soam vãos, dolorido epicurista,
Os versos teus, que a minha dor despreza;
Já tive a alma sem descrença presa
Desse teu sonho, que perturba a vista.

Da Perfeição segui em vã conquista,
Mas vi depressa, já sem a alma acesa,
Que a própria ideia em nós dessa beleza
Um infinito de nós mesmos dista.

Nem à nossa alma definir podemos
A Perfeição em cuja estrada a vida,
Achando-a intérmina, a chorar perdemos.

O mar tem fim, o céu talvez o tenha,
Mas não a ânsia de Coisa indefinida
Que o ser indefinida faz tamanha.
 

 


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