Gerana Damulakis
Como Se
in Jornal A Tarde, Caderno 2, coluna Leitura
Crítica,
Salvador/BA, 13.9.1999
Come se não
bastasse a qualidade própria de sua poesia, Luís Antonio Cajazeira
Ramos insere neste segundo livro uma variada fortuna crítica
arrecadada na esteira do sucesso causado pela sua estréia com Fiat
breu em 1996. Uma gama de críticos, escritores e amantes da
literatura expressaram a admiração e a surpresa com aquele que
despontou poeta feito, no dizer de Hélio Pólvora, e, quase nu de
pudores, como atestou Gláucia Lemos, alcançou de imediato momentos
antológicos, como bem viu Gerardo Mello Mourão, e com uma força que
lhe dá identidade e voz própria, segundo Florisvaldo Mattos. Também
não passaram desapercebidos o trato cuidadoso do verso e o ritmo
vigoroso, evidenciados por Ruy Espinheira Filho, assim como Cid
Seixas registrou que poucos apresentam a qualidade de estréia de
Luís Antonio. Ainda, Brasil afora, via cartas, via e-mail ou
pessoalmente — o poeta lançou o primeiro livro também no Rio e em
São Paulo —, a acolhida foi a mesma: muito louvor e encantamento.
Este poeta não
nasceu poeta. Nada na sua vida pretérita dava pistas de que assim
seria: graduou-se muitas vezes, engenharia, advocacia entre outras;
entrou pela prática burocrática, o que já fez lembrar o grande
Drummond e sua vida igualmente ligada ao serviço público, fato que
ainda pode ser acrescido de outras lembranças tais: Machado, Lima
Barreto, Vinicius, Rosa, Cabral, como se tal ligação fosse o
acompanhante ideal para o ato da criação artística — mas isto já deu
até matéria primorosa em revista nacional de grande circulação.
O riso de viés
é a dominante da poesia de Cajazeira Ramos: a sátira muitas vezes, a
ironia sempre, poucas vezes o sarcasmo grosseiro, porque maior é o
fino humor, o tal riso de viés de quem sabe perceber que tudo não
passa de um teste de força, como em Leite das pedras: Dor dura!
Sinto-a pele, sinto-a gosto./ Chão seco duma terra amargurada./ E o
mato medra verde de teimoso. Esta é uma amostra que serve para
ilustrar a filosofia encerrada na poética de Luís Antonio, que
apregoa o velho lema da incansável fênix: refaço-me esperança e dor
sem medo,/ sobre os cacos do espelho misterioso.
Já lhe foram
atribuídas impregnações de Augusto dos Anjos, por conta de versos
como: De tanto que me apego à vida, exposto/ à cusparada que me
rasga o rosto,/ eu lambo a sangue frio o escarro escuro. Tão-somente
impregnações, porque Luís Antonio Cajazeira não carrega influências,
talvez poucas confluências. Ele ousou virar poeta, e virou, ou era e
não sabia, como queiram, mas isto aconteceu quando sentiu um eu
fantástico — Um eu fantástico eu me sinto agora —, ou um eu anônimo
— nada além de um eu sem nome —, e tratou de construir seu nome.
Conseguiu, dando o reino em troca da caneta, rendendo homenagem a
dois senhores: eu e a sombra/ que junto ao Sol se arrima e guarda e
ronda,/ neste reino onde o Sol não se (im)põe nunca.
Ainda que se
afigurem tantas as louvações, nunca será demasiado registrá-las,
inclusive se considerarmos desde o entusiasmo imenso do falecido
Antônio Houaiss, sem ligações de qualquer ordem com o poeta, o que
de saída dá mais peso ao elogio, até as reverências deslumbradas de
seus amigos, como o poeta Soares Feitosa, que chega a dizer que nem
em Augusto dos Anjos é fácil pinçar dez poemas maiúsculos, enquanto
no livro Como se a tarefa não é impossível.
Como se foi
lançado na Academia de Letras da Bahia, com apresentação do
acadêmico Edivaldo M. Boaventura, um livro quase inteiramente de
belíssimos sonetos, uma lição de poesia bem feita e inteligente, sem
lirismo piegas, sem versos perdidos ou forçados. O poeta tem o que
dizer e diz da grande dificuldade que é viver, porque não poderia o
homem ter melhor sorte do que não haver nascido, como disse o grego
Teognis, mas Cajazeira não se consome, é "como se" preferisse a
ilusão de que viver é fundamental e, afastando a tragédia grega,
apenas dá um riso com o canto da boca.
Leia a obra de Luís Antonio Cajazeira Ramos
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