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Gabriel Nascente



Antologia Goiás, meio século de poesia
Os filhos do amanhecer

Organizada por Gabriel Nascente



I

 

Que diferença há entre um poeta solto e um louco na corrente? E loucura maior não seria permanecer atado diante de tanta hipocrisia, sobre o palco da vida, no triste entardecer deste século? Então o remédio não seria nos ancorar, desesperadamente, neste louco arquipélago de palavras?

A palavra é sem morte, respira, é ar que não desvanece. E o poema, silencioso grito das criptas do inconsciente, é emoção que vem de dentro da luz; às vezes bárbaro, às vezes cantante. O poema nos separa dos barulhos do mundo apenas por um delgado fio de paixão. E é exatamente neste fio que estão as dimensões do fluir. O poema emerge das forças do aflato divinal; e se obsessivo, frugal, demoníaco, não interessa. Interessa sim: o clarão de vida que respira dentro dele. Se tem a ternura de um vulcão ou a violência de uma flor, também não interessa. Interessa o fazer, o criar, o fogo e a volúpia. E neste particular, o poeta é um possuído, disse Platão. "Seu delírio e entusiasmo são sinais da possessão demoníaca. No Ion, Sócrates define o poeta como um ser alado, leve e sagrado, incapaz de produzir quando o entusiasmo não o arrasta e o faz sair de si... Não são os poetas que dizem coisas tão maravilhosas, mas os emissários da divindade que nos falam por sua boca. Aristóteles, por sua vez, concebe a criação poética como imitação da natureza".

Os poetas são seres que morrem por causa de uma só vírgula, filhos do caos e da descrença; mas também ourives do artesão estético, operários da estesia, de cujos alforjes emana a música das palavras. Sim: eles estão no dorso dos cavalos de ferro do apocalipse desta virada de milênio. Porque para eles, joalheiros do sonho, o homem sempre foi a medida de todas as coisas, do ser das que são e do ser das que não são, eixo e flecha de toda a evolução cósmica: impúberes porém para triunfar-se no apogeu da felicidade. Tanto que, paradoxalmente, o homem das perplexidades deste fim de século, tem tempo para tudo, menos para ser feliz.

O ter é a prisão do mundo, eis a questão.


II

 

Essa insuportável raça de poetas não pode ser extinta, porque a eles está entregue a penosa tarefa de desvendar "a constelação da pureza que brilha na face desconhecida das noites". Símbolos ou não da eternidade - filhos da "luz sinfônica", os poetas trazem de volta o perfil da infância e o apagar incessante da vida, "os gestos de fervor, os impulsos do coração", o fôlego das árvores, o vagido dos ventos, a viagem dos rios, o esplendor das águas, o olor das orquídeas, as núpcias dos deuses, o medo, a liberdade, o começo e o nada. E através deles, cujo arsenal é a voz da inspiração, visitamos os subterrâneos da alma, os abismos da flor, as cimbas originais do sonho, os destroços do reino perdido, as sombras da "órbita precária", porque o infinito começa quando o poema chega. Aí, as engrenagens do intelecto saem de cena, e entram então os impulsos miraculosos da força cognitiva, aquilo que Dante chamava de "mistério sobrenatural"; uma "catástrofe", para Nerval. Explosão da alma.

As vibrações da "luz sinfônica" são os ditames emocionais da criação. E emoção não é pedra. A pedra é o túmulo do ar, não diz nada, é deserta, mas pode ser o gesto petrificado de uma estrela.

Essas questões, no terreno dos enigmas, (subjetivas) se armam contra o culto do ócio e da insignificância da vida. Porque o tudo e o nada estão, antagônicamente, no coração da matéria.

Os ritos impostos à exaustiva tarefa de organizar a presente coletânea (soma dos melhores momentos da poesia goiana que floresceu ao longo dessas últimas cinco décadas) foram por si só árduos, mesmo porque ainda navegamos nas águas do aprendizado e, com certeza, não seremos nós os anunciadores do Juízo Final.


III

 

A beleza dos diamantes pode ser lapidada pelos homens. Mas elucidar os segredos do seu brilho é missão dos deuses, e isto nos escapa dos limites do intelecto. Quem faz gerar o lodo sobre a pedra é o tempo. Somente a ele compete "joeirar tudo".

A empreita nos obrigou a ir fundo, vigilante, atento, de lanterna em punho; lendo, relendo, e lendo de novo, para se chegar ao substrato cristalizado pelo fenômeno poético que, segundo Eliot, "não é um perder-se na emoção, mas um escapar da emoção".

Poetas maiores, menores ou não, aqui se juntam para comprovar que o "poema deve ser uma festa do intelecto" (Paul Valéry); "o ponto de intersecção entre o poder divino e a liberdade humana; caracol onde ressoa a música do mundo" (Octavio Paz). O louvor de estar vivo no ato da criação, carga de beleza que vem da eternidade de cada instante, luz girando em volta do coração, soluços do carnal-metafísico, - o poema. E depois é linguagem que refulge, inebria, fala, é verbo, canta, solitário e obsessivo, para evitar que a vida se dilua no malogrado terreno das ilusões perdidas.

Sonhar é o culto número um dos poetas. E aqui estão eles, eternos guardiões da palavra; alguns de vôos mais altos, oceânicos; outros, titubeantes, mais tímidos, e até outros mais ligados à escola da maldição baudelairiana, terríveis adeptos das doutrinas demonológicas, noivos da morte, macambúzios e kafkeanos, líricos, eróticos, engajados, rapsodos arautos do sol, exorcizando ou louvando as ilhas do êxtase; seres garfados pela estúpida falta de sentido, e portanto flutuantes, de "riso desenfreado ou íntima melancolia".

Fruto de inumeráveis renúncias, (recusamos primeiramente a política do grupismo, do assédio, do apadrinhamento) - para depois, e isentos, descobrir, em meio à grande e ascendente gama de poetas, a inspiração, o talento, a força e o atributo daqueles que trocam a vida por uma simples viagem aos subterrâneos do sonho em busca do barco ébrio de Rimbaud, dos olhos sem pálpebras de Rilke.

Os poetas são seres atirados aos redemoinhos da vida, e trabalham com o mais precioso de todos os instrumentos da linguagem humana - a sensibilidade.

A poesia nos separa da loucura apenas por um fio de cabelo, conforme conjecturava Platão. E, se somos feitos das mesmas substâncias de que são feitos os sonhos, conforme concebe o bardo de Stratford on-Avon, então não é possível, em toda a história do planeta, a existência de um só homem que não tenha sonhado. Aliás, muito já se disse, o homem morre antes porque deixa de sonhar.

O sonho é matéria que os mantêm etéreos entre a vida e a morte. A voz dos deuses fala pela voz dos poetas, e, ambos, com estúpida "rapidez napoleônica", reconstroem novos reinos.


IV

 

Goiás, meio século de poesia não é propriamente um arrastão de poetas para ataviar desprovidas prateleiras literárias, mas sim a resultante de um estudo sistemático sobre a evolução e a revolução da poesia em Goiás, desde os remotos anos 40.
A obra aparece agora para suprir um longo vazio bibliográfico. E um dos critérios adotados, para a rija seleção dos poemas, foi a imparcialidade, pois o que se buscou foi equilíbrio de beleza expressional, força de conteúdo imagético, ritmo, emoção, etc.
Alucinados, quixotescos, nirvânicos, céticos, materialistas ou não, eles conhecem os albores do amanhecer.

INTRODUÇÃO
 

O que se pretende com a elaboração desta antologia - Goiás, meio século de poesia - é contribuir historicamente com a sobrevivência do canteiro literário goiano, no que concerne às minas da poesia. E, claro, não se trata aqui da demolição ou reconstrução de qualquer mito, mas sim de um novo alvitre em direção aos desafios do tempo.

Quem somos nós para tecer considerações em relação ao cânone poético? Existe cânone em Goiás? A crítica e o tempo o dirão.

Procura-se uma verdade, eis tudo.

Atravessei noites e dias inquieto, durante quase um quinqüênio intensivo de leituras. Tanto que me vi obrigado a ler, ler de novo, treler, exaustivas vezes, esta extensa gama de poetas para, a meu modo, perceber em cada um deles, isoladamente, o grau de imaginação intelectiva e profundidade, no instante mesmo em que estiveram possuídos pelo impulso da criação.

Espero que isto, no final das contas, não seja uma prédica. Mesmo porque, para se ter uma idéia de quão penoso é ler ou resenhar um livro ruim, basta lembrar o que disse o poeta americano W. H. Auden: "Faz mal ao caráter". Na Inglaterra, Oscar Wilde bradava: "A arte é inteiramente inútil". Depois, refluiu deste conceito, dizendo: "Toda má poesia é sincera". Entretanto, "quem foge do mau gosto, cai no gelo", observou Neruda, num manifesto contra a poesia pura.

Não se faz aqui nenhum juízo de valor, nem para o bem nem para o mal, ainda que desta vitrine das letras se tenha extraído um pouco de luz de cada poeta.

Eles compõem com suas vozes a sinfonia dos deuses. É o que conta. Trouxeram para o corpo da palavra o que era sono debaixo da pele - brilho de cripta, musicalidade, alma e poesia.

Novalis anotou que "a poesia é a religião original da humanidade". E Willian Blake, por sua vez, acreditava que "o mundo da imaginação é o mundo da eternidade". Ambos têm razão, porque transcendem espaço e tempo.

Assim, de Goiás passo aos leitores este elenco de poetas, muitos deles inseridos no que há de melhor na poesia brasileira deste século.

Fevereiro de 1997.

O Autor
 



OS POETAS:

A. G. Ramos Jubé
Adaglion Aires de Andrade
Afonso Félix de Sousa
Aidenor Aires
Aldair da Silveira Aires
Alice Espíndola Cardoso
Almáquio Bastos
Antônio José de Moura
Antônio Prado Júnior
Artemísia Nunes da Silva (Tetê)
Augusta Faro Fleury de Melo
Bernardo Élis
Brasigóis Felício Carneiro
Carlos Fernandes Filgueiras Magalhães
Celso Cláudio
Cláudio André de Bastos
Dalva Machado Chitarra
Darcy França Denófrio
Delermano Vieira Sobrinho
Dell Meirelles
Denise Godoy de Carvalho Verano
Dionísio Pereira Machado
Diva Goulart
Domingos Félix de Sousa
Dorizan Ribeiro de Freitas
Edir Guerra Malagoni
Edival Lourenço de Oliveira
Edir Meirelles
Edmar Guimarães
Eduardo Ramos Jordão
Emílio Vieira
Eurípedes Leôncio Carneiro
Fábio Rachid
Fausto Rodrigues Valle
Gabriel Belo Calzada
Gabriel Nascente
Geraldo Coelho Vaz
Geraldo Dias da Cruz
Getúlio Targino de Lima
Getúlio Vaz
Gilberto Mendonça Teles
Gilson Cavalcanti
Goiamércio Felício Carneiro
Heleno Godoy de Souza
Helvécio de Azevedo Goulart
Helverton Baiano
Itamar Correia
Itamar Pires
Iúri Rincon Godinho
Ivair Lima
Ivahy Augusta Marques
Izabel Dias Neves
Jacy Siqueira
Jesus Barros Boquady
Jesus de Aquino Jayme
João Cézar Pierobon
João Felício de Oliveira Filho
José Ferreira da Silva
José Godoy Garcia
José Mendonça Teles
José Sebastião Pinheiro
Kleber Branquinho Adorno
Lêda Selma
Luís de Araújo Pereira
Luiz Alberto de Queiroz
Luiz de Aquino
Luiz Fernando Valladares
Luiz Gonzaga Contart
Lygia de Moura Rassi
Malu Ribeiro
Márcia Metran de Mello
Marcelo Heleno
Marcos Mendes Caiado
Maria Abadia da Silva
Maria Amélia Trindade
Maria Dalva Junqueira Guimarães
Maria Lúcia Félix
Maurício Vicente Oliveira
Miguel Jorge
Narcisa Abreu Cordeiro
Natal Neves da Costa
Neusa Peres
Oscar Dias
Osmar Augusto Lima
Paulo Nunes Batista
Pedro Tierra
Pinheiro Salles
Placidina Lemes Siqueira
PX da Silveira
Salomão Sousa
Sônia Elizabeth
Sônia Maria Ferreira
Sônia Maria Santos
Tagore Biram
Ubirajara Galli
Ursulino Tavares Leão
Valdivino Braz Ferreira
Vera Americano do Brasil
Vicente Humberto Lobo Cruz
Vilda Guerra Fernandes
Waldire Laureano Batista
Walter Massi
Wyllmharlen Alves
Yêda Schmaltz

POETAS DA CASA DO SILÊNCIO

Benedito Odilon Rocha
Ciro Palmerston Muniz
Cora Coralina
Érico Curado
Francisco Ayres
João Accioli
Joaquim Machado Filho
Jorge Félix de Sousa
José Décio Filho
José Peixoto da Silveira
Nunes Bettencourt
Pedro Celestino da Silva Filho
Pio Vargas
Primo Neves da Mota Vieira
Violeta Metran
Wendel Santos