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Luiz Tadeu Feitosa


 


Os novent'anos de Patativa do Assaré

Senhor e vassalo das palavras  


 

 
Luiz Tadeu Feitosa
Professor
 

Quem é esse menestrel que completa 90 anos? Quem é esse paladino que, por meio da poética oral, luta incansavelmente pela sua terra e pela sua gente? Quem é esse poeta errante, que não se cansa de cantar a igualdade? A serviço do que está esse poeta, misto de senhor e vassalo das palavras? De onde vem essa sua voz melódica que nos enche os sentidos de significação? Que canto mítico é esse que se personifica num pio de pássaro, que ora canta, ora soluça? Que peregrino pio é esse que vive a oferecer seu colo aos irmãos? Que ira santa é essa que não deixa esse pássaro calar?

Trata-se de um homem e de uma entidade ao mesmo tempo. Um ser que para dizer os mistérios do real experimenta a Natureza para dela fazer cultura e que usa esta para desvendar a essência daquela. É um ser antenado com a essência das coisas, à qual só temos acesso pala mediação da arte e das sensações. Ao completar 90 anos o homem mostra que é eterno no poeta e na obra exemplares.

Patativa é um homem do campo que canta o mundo. E não adianta querer classificar seus modos de perceber as coisas. Como uma antena que precisa ser direcionada para captar imagens diferentes, assim são seus modos de ver e de sentir. Modos que se alteram conforme o querer do poeta. Sentimentos que ganham novos sentidos conforme as situações enfrentadas pelo poeta/homem/sertanejo. Assim é que, na medida em que a "percepção'' do poeta vai sendo maltratada pelas intempéries climáticas, pelo sofrimento pessoal ou de seus irmãos, ou ainda quando vai sendo massageada pelas benesses climáticas: chuva, fartura, etc. ele vai modificando as significações atribuídas à terra, ao sertanejo, à luta.

Uma voz vinda oralidade, recurso que não perde em Patativa sua missão comunicativa. Sua voz está a serviço da verdade, da vida e dos homens. Patativa é na oralidade a personificação de um grande mídia. Um mídia utópico, preso apenas às sensações libertas, captadas por uma antena sensorial invisível, mas sempre aberta para receber. Misto de receptáculo e mediação, de sonho e libertação, o poeta midiático ou multimídia é, ao mesmo tempo, o todo e as partes de uma realidade só contemplada pelos escolhidos.

Sabedoria e uma quase mediunidade, inocência e muita sagacidade misturam-se nesse sistema perceptivo. Vários códigos o compõem. Ele é mais do que mídia, é uma complexa comunicação em ininterrupto processo. Comunicação de uma lógica pouco conhecida, mas reveladora e envolvente.

O codinome patativa serve para disfarçar a suposta fragilidade do pássaro num canto que ordena e suplica, como no poema Lição do Pinto: "O pinto dentro do ovo / aspirando um mundo novo / não deixa de beliscar / bate o bico, bate o pico / bate o bico, tico tico / prá poder se libertar."

Ainda que inclemente, o sol é para todos. E nesse sentido Patativa assume a missão da caridade, matriz cristã que está em toda a sua obra, mas que nunca se confunde com pieguismo ou subserviência. Ao contrário, mostra a necessidade de lutar. Nesse sentido, sua luta é a luta contra os donos do poder, para quem ele dirige sua ira santa, posto que a igualdade é uma promessa de Deus e disso não podemos abrir mão.

Não serão os ritos de calendário que atribuirão sentido ou valor ao tempo que acompanha Patativa do Assaré. Sua lira não tem idade, logo não caminha rumo ao fim, mas ao encontro da essência das coisas. Seu corpo de homem vivido é apenas o receptáculo de uma poética sem fim.



Luiz Tadeu Feitosa é professor do Departamento de Comunicação Social e Biblioteconomia da UFC, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-São Paulo, doutorando em Sociologia pela UFC e tem Patativa do Assaré como tema da pesquisa

 



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07/07/2006