José Saramago
Discurso perante os amigos, logo
após receber o Nobel:
Chega-se Mais Facilmente a
Marte...
Por JOSÉ SARAMAGO
Sexta feira, 11 de Dezembro de 1998
Cumpriram-se
hoje exactamente cinquenta anos sobre a assinatura da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Não têm faltado comemorações à
efeméride. Sabendo-se, porém, como a atenção se cansa quando as circustâncias lhe pedem que se ocupe de assuntos sérios, não é
arriscado prever que o interesse público por esta questão comece a
diminuir já a partir de amanhã. Nada tenho contra esse actos
comemorativos, eu próprio contribuí para eles, modestamente, com
algumas palavras. E uma vez que a data o pede e a ocasião não o
desaconselha, permita-se-me que diga aqui umas quantas mais.
Neste meio
século não parece que os Governos tenham feito pelos direitos
humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As
injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância
cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz
de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das
suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela
fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio
semelhante.
Alguém não anda
a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os Governos, porque não
sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho
permitem aqueles que efectivamente governam o mundo, as empresas
multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não
democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da
democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos
que somos. Pensemos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir
sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de
esperar que os Governos façam nos próximos cinquenta anos o que não
fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns,
a palavra. Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos,
reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo
possa tornar-se um pouco melhor.
Não esqueci os
agradecimentos. Em Frankfurt, no dia 8 de Outubro, as primeiras
palavras que pronunciei foram para agradecer à Academia Sueca a
atribuição do Prémio Nobel de Literatura. Agradeci igualmente aos
meus editores, aos meus tradutores e aos meus leitores. A todos
torno a agradecer. E agora também aos escritores portugeses e de
língua portuguesa, aos do passado e aos de hoje: é por eles que as
nossas literaturas existem, eu sou apenas mais um que a eles se veio
juntar. Disse naquele dia que não nasci para isto, mas isto foi-me
dado. Bem hajam, portanto.
Remetido por Alicia:
alicevilafabiao@mail.telepac.pt
|