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Jornal do Conto

 

 

Francisco Miguel de Moura


 

A plêiade na praça

 

Mais ou menos às nove horas, ia Osmundo Vergado passando, distraído, tranqüilo, pela Praça João Luís Ferreira, quando dá de cara com o grupo: Afonso d'Ávila, Osmarzinho e Elmo de Aleixes.

Ele, então, foi se chegando, enquanto se vira para os seus botões, que, aliás, não estavam todos a postos: um havia caído no começo da noite anterior:

- Hoje a praça não é mais do povo! Castro Alves coraria de raiva.

- É, mas somos todos velhos. E velho anda como sapo pula: não porque quer, mas por necessidade. Foi o que observou, sem querer, o poeta Afonso d'Ávila, como que cascavilhando no bolso um poema, ou a anotação de uma anedota (para não esquecer de contá-la).

Vergado não deu bolas para o leriado, pois saíra de casa com atraso, depois de escriturar seu livro de pensamentos. Ainda vinha com alguns na cabeça. Além disto, a manhã não estava nada boa, o sol escondendo-se dentro de um nevoeiro denso. Não fosse a necessidade de conversar, não teria saído.

Mas logo repensou, a «rodinha» era um prato cheio para o seu espírito preguiçoso e pessimista. Uma piada aqui, um dito chistoso ali, e o «moral» logo levantaria para novas investidas. Comentavam o que leram e o que deixaram de ler. A última festa, o último lançamento, quem estava, quem não compareceu. Estas e outras futilidades que surgem, proliferam, despreocupadamente, em conversas de rua, onde o riso nem sempre demonstra que se acaba de contar a melhor piada. (O riso do Bebeto é sonoro e estridula centenas de metros adiante e atrás, lembrou. Mas ele não estava ali.)

Da vida prática, pouco falavam. Que a prática é uma coisa aborrecida entre intelectuais. Necessário esquecê-la.

O diálogo ia esquentando, entretanto:

- O gaúcho de ontem é um poeta e tanto, não é? - pergunta o cronista Osmar.

- Conheci-o em 1979 e já era bom. Tinha outra mulher. Agora apanhou uma capixabinha.

- É, exalta-se o cronista. E completa: Fui quem inaugurou o costume aqui.

Daí em diante a conversa não prestou mais não. Porém persegue o mesmo rumo.

- Souberam não? O barítono Raimundo Pereira, aquele que faz um tempão voou para o sul, está acontecendo lá, não como músico, é o que informa o poeta Ávila.

- É verdade que está escrevendo um «bichionário»? intervém Elmo de Aleixes.

- Ora! Antes, já saiu numa revista de grande circulação, com artigo sobre o assunto. Foi um espanto.

- Espanto vai ser quando mexer com os «enrustidos». Eu queria mesmo era que aparecesse um bom, que fizesse trabalho semelhante com os «pombocas», diz o Osmarzinho.

Pegando a deixa do Osmar, Elmo de Aleixes atalha:

- Mas eu, felizmente... ia-se formalizando, meio nervoso.

Sofre a interrupção de Osmundo Vergado:

- «Não se apresse não, baião dois», como diria também o Caetano Veloso, que seu dia chegará. O tempo é implacável.

Enquanto Osmar e Elmo desenvolviam aquele alto raciocínio, querendo interrompê-los mas não interrompendo, A. A. acrescenta, sobre o «bichionário», só para bancar o machão:

- Esse, com certeza, não vou ler, nem consultar. Não me interessam seu artigo nem o livro. Aliás, a esta altura, já deve ter mudado o nome para «Raimundô Perreirrá». E soltou uma gargalhada.

Um menino magrinho ia passando naquele instante, caiu, e todos acorreram para levantá-lo. Felizmente não chorou. Nem estava acompanhado por ninguém. Seguiu o seu caminho. O caminho dos meninos de rua, abandonados.

Não sei porque cargas d'água, gratuitamente, pois nem a hora se aproximava, o cronista (Osmarzinho) disse que era como cachorro, almoçava na rua.

Aqui entra Osmundo Vergado, com sua verve nada original, ao invés, bastante popular, e destampa:

- Isto é que é bom, pois já chega em casa comido.

- E aí come de novo, responde Osmar, com muita ênfase.

Já estavam se despedindo, um ia tomar um cafezinho e fazer a fé na loto; outro, passar pela Fundação Cultural para resolver um caso da revista; o terceiro tinha um livro na gráfica, em revisão. E o Osmundo Vergado também cuida de muitos afazeres. Mas não disse nada, esperou pacientemente. Até que, por fim, Osmar desembuchou a última, a saideira, a bomba:

- O Roberto Carlos me falou que escreveu um artigo sobre seu livro e entregou-o ao jornal. Está metendo o pau, me disse, e pediu segredo. Mas eu não sou baú velho.

Osmundo coçou a cabeça, afilou o nariz e parece que fechou os olhos miúdos (é um sinal de quando fica meio surpreso, tonto, com uma notícia, quando tem uma surpresa desagradável):

- Lamento, mas o assunto é pra Nelito, o colunista do jornal.

Logo com ele?! Não tem medo de crítica. Mas pediu-lhe um prefácio em confiança, não um artigo. Jamais iria implorar elogios, seria feio e deprimente. Mas, não. Não pôde evitar a explosão de raiva:

- Quem é esse zoilo, esse criticozinho de m...? Esse Roberto Carlos?

Claro que a pergunta não merecia resposta alguma. Todos sabiam que Osmundo sabia quem era o crítico.

Assim, a plêiade tratou de encerrar os trabalhos do dia, sem uma resolução sequer. Como aquele grupo de poetas que se reúne no bar da Maria Gadelha, derriba autores e livros e cria novos movimentos e revoluções nas letras, os quais não resistem sequer até o amanhecer.