On line

Sophie Anderson, Portrait Of Young Girl

On line

 

Soares Feitosa

 

— Saberia eu indagar agora sobre tuas mãos?  

      Era de noite:
      gotejava o inverno
      e a repressão dos desejos
      percorria nossas mãos como se nunca soubessem,
      elas, as mãos,
      cada qual de si
      e da outra.

 

—Pois o que ensiná-las a mais, se as ensinamos pouco?  

      Porque agora,
      outra vez de noite,
      qwerty — é apenas a prosaica banda deste teclado —
      máquina,
      só máquina, só noite,
      qwerty — bato com os dez,
      melhor com os da esquerda,
      embora destro, bato —
      letra a letra — qwerty;

mas saberia agora mesmo,
dígito a dígito,
sinal por sinal, todos
mesmo sem olhar, que não nos podíamos olhar,
os sinais, tactilmente tácteis 
(assim mesmo, à antiga,
tácteis) e a penugem
e a voragem
[...] 
como se fosse — e era — 
a tua direita
contra a minha esquerda:
 

eu saberia 
do amor que te falhei.

                           Noite!


 
   Salvador, madrugada alta, 28.12.1996

 

 

Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

 

Luiz Bello

SF

 

Kant afirmou, certa vez, que não saberia ensinar a ninguém o que era Filosofia, mas saberia ensinar a filososar. Ninguém me ensinou a fazer Poesia, mas eu encontrei uma definição: Poesia é tudo aquilo que me emociona!

Há duzentos anos, quando eu vim parar no Piauí, achava engraçado o povo dizer que um céu chuvoso estava "bonito". Foi a minha primeira lição de poesia-adquirida, porque, com o tempo, eu mesmo olhei para um céu de aguaceiro e achei que estava bonito. Fiquei emocionado. E aprendi. Nada a ver com o belo-horrível. A expressão "bonito pra chover", tão comum aqui e tão estranha para o ser que eu fui, de fora, encerra uma beleza que está nos prognósticos implícitos e uma sabedoria que os meteorologistas não dominam, mas poetas sim.

Seu verso despretensioso "gotejava o inverno" identificou-me com sua inspiração, revelou-me a naturalidade do seu estro e afirmou-se (só para mim) como algo ainda mais instrutivo — e certamente mais sentimental — do que as mãos, a noite e o teclado de que você fala como quem ainda não sabe que talvez seja capaz de ensinar alguém a fazer, com a Poesia, o que Kant não se atrevia a fazer com a Filosofia. Como todo poeta legítimo, você, SF, tem um destino: emocionar e ensinar.

Lusbell

Página inicial de Luiz Bello

 

 

 

 

 

Eliana Teixeira

 

Sent: Saturday, July 07, 2007 11:56 PM
Subject: On line

 
Prezado Poeta,

Seu proposital e belíssimo poema "On line" remove o filtro de nossos olhos, ora fascinados, ora enfeitiçados,  em frente à tela do computador. Quantos de nós já conversamos com pessoas do outro lado do mundo, enquanto aqui é noite fria e lá, escaldante sol dando trabalho ao ar-condicionado, quando há? Quem já não imaginou as mãos do outro digitando no teclado? Seriam as duas mãos? Seria só a direita, devagarinho? Seríamos exclusividade na frieza da Web?
 
— Saberia eu indagar agora sobre tuas mãos?  
      Era de noite:
      gotejava o inverno
      e a repressão dos desejos
      percorria nossas mãos como se nunca soubessem,
      elas, as mãos,
      cada qual de si
      e da outra.
 

Nossas mãos aflitas, nossos olhos desatentos a elas, mas imaginando as mãos do lado de lá, nessa conversa cibernética. E os olhos... guardariam alguma ternura? Seriam velados, opacos? Vivos, penetrantes?
E nossas mãos que ensinamos pouco... máquina, só máquina, só noite...
 

—Pois o que ensiná-las a mais, se as ensinamos pouco?  
      Porque agora,
      outra vez de noite,
      qwerty — é apenas a prosaica banda deste teclado —
      máquina,
      só máquina, só noite,
      qwerty — bato com os dez,
      melhor com os da esquerda,
      embora destro, bato —
      letra a letra — qwerty;

 

E os sinais tácteis nos mostram, minuto a minuto, mesmo sem olhar, que não podíamos olhar. Também não poderíamos nos olhar, a não ser com os olhos do coração.

mas saberia agora mesmo,
dígito a dígito,
sinal por sinal, todos
mesmo sem olhar, que não nos podíamos olhar,
os sinais, tactilmente tácteis 
(assim mesmo, à antiga,
tácteis) e a penugem
e a voragem
[...] 
como se fosse — e era — 
a tua direita
contra a minha esquerda:

 


Esta parte, Poeta, guardarei para mim meu entendimento levíssimo no silêncio da noite:
 

        eu saberia 
        do amor que te falhei.

                                   Noite!


Obrigada por essa lindeza!

Eliana
 

Página inicial de Eliana Teixeira

 

 

 

George Santos

 

To: jornaldepoesia

Sent: Sun, 12 Feb 2012 19:55:47 -0800

Subject: não sei

 

Soares,
 
queria dizer que estes seus versos me arrepiaram e aceleraram o coração.

 
eu saberia
do amor que te falhei.
 

 

(não precisa responder)

 

 

 

 

 

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