Francisco Miguel de Moura
Histórias de bancários
7-12-2000
I
Nunca vi gente
que goste mais de dinheiro do que bancário. E da mesma forma são os
filhos de bancários. No meu tempo era assim, cada um dos nossos
filhos querendo provar no colégio, com os colegas, quem tinha pai
mais rico. A indicação primeira era a nota que recebiam pra merenda.
Não sei bem de que assunto falam os bancários de hoje. Imagino que
seja do desemprego que esta época globalizada vem provocando. Do que
mais poderia ser?
Assim, se não ouvi, imaginei o seguinte diálogo entre dois bancários
do Branco do Brasil, na porta do Sindicato (um que foi mandado pra
fora, por conta de um tal PDV* e outro que ainda continua, sabe Deus
até quando, recebendo por lá seu salário de miséria):
- Sabe quem tomou meu lugar? - diz o desempregado.
- Onde, na fila?
- Não, no emprego.
- Quem? Não posso saber. Conte logo.
- Foi ela.
- Ela, quem? É bonita, pelo menos?
- Nada! Ela...
- Quem é ela? É rica?
- Nada. Estou falando da máquina que conta dinheiro. É noventa por
cento mais rápida do que eu. E, por cima, melhor.
- Hum! Então, eu que me cuide. Se chegar outra mais nova, vou
quebrá-la a pau, nem que me levem à Delegacia. Quero ver como é que
ela vai se defender.
- Acho que seu patrão vai acudi-la. Não é sempre assim? Ou um dos
seus cupinchas.
II
Porém, bancário dos tempos em que a profissão existia - um emprego
seguro e necessário como qualquer outro - era outra pessoa, tinha
valor e bom humor.
Lembrando bem, um dia destes encontrei-me com o velho colega Coelho
e batemos um "papo" sem compromisso de horário, bem ali, na esquina,
perto do "nosso" banco, no "Chico's Bar":
- Meu filho me pediu 500 reais emprestados. É que está metido com
uma pequena empresa que não rende nada, só impostos, impostos...
Tudo para o governo e para os empregados - disse me ele, entre um
copo e outro.
- Meu filho também vai mais ou menos no mesmo rumo. Acabo de enviar
pra Bahia semelhante fortuna. Ele foi assaltado Está desempregado e
sem renda. O ladrão levou seu último centavo.
Não disse para consolá-lo, não. Em parte, era verdade o que lhe
dizia.
- O meu mora em Timbiras - MA - Coelho retoma o diálogo, meio
desconsolado, sem saber mesmo o que dissesse.
Então, meio gozando o cara, eu o retruco:
- Ah, é, meu irmão? Pois, da próxima vez, tu dirás assim a ele: Meu
filho, vê se te embiras por aí, que a coisa aqui está ficando preta.
III
Outras anedotas vieram no bojo daquele comentário sobre os filhos.
Inclusive uma de transporte de numerário, quando demos gostosas
gargalhadas. Daquelas que não podiam ser contadas em horário nobre.
Naquele tempo... Bem, numerário significava dinheiro. Hoje tudo é
cartão disto, cartão daquilo. E cheques voadores.
Penso que saiu do crânio de algum bancário do meu tempo a seguinte
jóia, em diálogo descompromissado:
- Fulaninho, você pode me fazer um favor?
E a resposta vinha imediata:
- Depende.
- Depende de quê, meu caro?
- Depende de não depender de três coisas: dinheiro, ou de esforço
físico ou mental. Nesse caso, pode contar comigo.
Tempos difíceis. Em compensação, muito bons. Tempo em que se andava
ainda pelo mato, fiscalizando as plantações e criações financiadas,
montado em jumento ou, no máximo, em velhos jipes, que serviam
também para o transporte de numerário de uma cidade para outra, de
uma agência para outra, mas sem nenhum risco de ser roubado como
agora. Anedotas eram muitas. Trabalho também. Tudo bastante suado
por isto mesmo divertido.
IV
Para completar, penso em fazer uma estatística, uma pesquisar. Quero
saber qual a classe que mais aposta na loteria. Nas loterias. Creio
que é a bancária, especialmente do Banco do Brasil. Nunca vi gente
gostar mais de dinheiro do que eles. E não é que às vezes um deles
acerta?! Zezito da Silva, por exemplo, era contínuo aposentado, o
salário com o tempo minguou, as coisas iam ficando piores, perdeu o
respeito da família. E ele, para fugir das responsabilidades, de vez
em quando ameaçava suicidar-se. Um dos seus amigos aconselhou-o:
- Jogue na loteria, homem.
Ele jogou, jogou. Um dia veio a sorte grande.
Hoje ele passa flanando no seu carro semi-novo. Dizem que até está
namorando por aí. Todos o chamam de Seu José, mesmo aqueles que dele
debochavam e não tinham coragem de emprestar-lhe um centavo. Virou
cidadão de bem. Tem cartão de crédito, cheque ouro e freqüenta
clubes.
Mas também, quem quiser saber, Seu José virou pão-duro. Não jogou
mais um centavo de seu, na loteria. Todo dia está no banco, olhando
quanto rendeu sua poupança.
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• Plano de Desligamento Voluntário, que foi logo traduzido para
"Plano de Desvalorização da Vida".
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