Luiz Nogueira Barros
Casa da palavra
Participei da sua inauguração, um casarão inteiramente recomposto
para os gostos mais apurados, na noite de 9 de janeiro de um ano que
já se confunde com o final do século...
Solene, muito solene em sua beleza tanto interna como externa e,
descrevê-la seria uma tentativa de separar candelabros suntuosos,
madeiras polidas, mármores caprichosos, objetos antigos garantidores
de um passado clássico que ainda move nossas lembranças, luzes
amenas e aconchegantes, sombras que se projetam criando estranhas
sensações, espelhos que permitem as pessoas serem vistas em
movimento, belas, felizes, e por vezes conferindo, num discreto
olhar, como andam as suas belezas e os seus estados de espírito. Ou
então fazer o natural: compor uma aquarela...
Fiquei absorto, por momentos, e deixei o olhar correr livre,
perdido. E me lembrei dos poetas, violadores de eternidades e
infinidades. E me veio a lembrança de Soares Feitosa, poeta cearense
radicado na Bahia, autor de um jornal de poesia via Internet,
quando, saudando os poetas que estão por chegar pergunta onde estão
os poetas das novas "Águas". E ele mesmo, parafraseando Goethe, em
sua obra "Fausto", nos responde: "Eles estão / dentro dos abismos da
terra/ que os cuspirá de volta". Ato contínuo a tal lembrança olhei
para Ricardo Nogueira: e ali estava o poeta novo, inquieto, nervoso,
alegre, surgido dos abismos da terra, engendrando sua própria
eternidade, e sua obra, singular em Alagoas: um poema em movimento,
um espaço para a palavra, pobre palavra que os seres humanos por
vezes não medem ao engendrá-la.
Ouvindo os oradores, todos brilhantes, lembrei-me da Grécia dos anos
de ouro da Retórica: arte do encantamento pela palavra, ensinada por
Isócrates, e capaz de salvar os destinos da humanidade, tal brilho e
o manejo dos grandes oradores que a exercitavam.
Impossível, numa hora como aquela, esquecer do poema de Gonzaga Leão
"Tempo e Palavra", sobretudo quando nos diz: "No branco muro/ lê-se
a palavra/ feita a carvão,/ escritas às pressas, / quase de um
pulo,/ inquieta e trôpega / na escuridão./ Simples palavra / que o
tempo gasta / e a chuva lava / se abandonada / na solidão. Mas será
grito,/ será soluço/ se represada, / se vem o guarda / vem a polícia
/ prende-lhe o pulso, / corta-lhe o curso,/ que é como um rio / que
pede o mar, / como a palavra / pede o discurso."
Sou pouco afeito às orações. Nunca faço pedidos, embora tenha um
natural e afetuoso acolhimento para as coisas, mesmo as que possam
parecer ruins, que aportam em minha vida, em minha existência.
Satisfazendo-me, por vezes, com uma simples esperança que passa ao
largo do meu olhar - como essas nuvens finíssimas de verão e que
mais das vezes se desfazem antes que termine a fantasia do olhar
embevecido na paisagem.
Tanto temo como amo a palavra, daí que por vezes posso parecer estar
em dúvidas. E no seu Novo Templo, A Casa da Palavra, de Ricardo
Nogueira, acho até que orei, rezei, baixinho, pedindo que ali a
palavra conheça todos os exercícios que a dignificam, num tempo de
descrenças e angústias, de desfigurações, e prefigurações que
incomodam nossas melhores esperanças...
Seja a palavra, no seu Novo Templo, tanto soluço, como grito - se
necessário...
(in Gazeta de Alagoas, 12.01.97)
Luiz Nogueira Barros é médico, cronista, e sócio efetivo do IHGA
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