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Patrícia Moreira




Romantismo lítero-musical

 


 

O professor e pesquisador Aleilton Fonseca foi buscar nas páginas da literatura romântica do século XIX os elementos para compor o livro Enredo romântico, música ao fundo, no qual analisa a presença das manifestações lúdico-musicais na ficção urbana do Romantismo. Lançado pela editora Sette Letras, o livro foi elaborado a partir da tese de mestrado do autor, defendida na Universidade Federal da Paraíba, em 1992. O estudo se propõe a mostrar como o rendimento dos fatos musicais interferem no desenvolvimento das tramas romanescas e como os escritores da época representavam a vida musical com o intuito de valorizar determinados gêneros de origem européia como modelos ideais para a nossa cultura.

O estudo concentra-se na análise de obras de autores como Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar e Manuel Antonio de Almeida, destacando a dicotomia entre música culta e música vulgar, presente no ambiente cultural da época e reproduzida na literatura. No século XIX, o Brasil se dividia entre a produção musical calcada nos padrões europeus e a que se desenvolvia nos meios populares sob a influência espontânea das tradições indígenas e, sobretudo, africanas. Os romances urbanos e de costumes de autores como Joaquim Manuel de Macedo e José de Alencar, são ricos em referências às manifestações lúdico-musicais da burguesia imperial, enquanto Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, se volta para a representação das camadas mais pobres e, conseqüentemente, registra manifestações diferentes daquelas dos salões.
 

Manifestações lúdico-musicais
da burguesia
imperial

Existia uma
interrelação
entre os
gêneros
musicais.

 

Narrativa- "Almeida mostra que as manifestações populares eram colocadas no espaço da desordem social, incorporando à narrativa urbana os modelos populares desprezados pela cultura oficial e considerados vadiagem, malandragem, 'caso de polícia'", revela Aleilton Fonseca. Memórias de um sargento de milícias mostra a atuação do Major Vidigal e seus granadeiros para acabar ou proibir festas e prender os seus participantes. Enredo romântico, música ao fundo, não se limita, no entanto, a simplesmente registrar as abordagens literárias das manifestações lúdico-musicais da época. O autor vai mais longe ao sustentar que, apesar do preconceito em relação às manifestações populares, existia uma interrelação entre os gêneros musicais.

Havia apropriação e certa adequação de gêneros de uma camada social por outra."Muitos músicos transitavam nos dois espaços, tocando a música certa nos lugares adequados, mas sempre aclimatando, adaptando alguma coisa", ilustra Aleilton Fonseca. Ele cita como exemplo a dança do lundu, que por muito tempo foi combatida, mas gerou o que se batizou de lundu-canção para piano, atendendo mais ao gosto da elite. A forte influência do modelo cultural europeu sobre a elite brasileira do século XIX, remontava, segundo o pesquisador, ao período colonial, sendo posteriormente reforçada pela chegada do rei Dom João VI, em 1808.

Com a vinda da corte portuguesa, o ambiente cultural de Lisboa, fortemente inspirado nas tendências ditadas pelos salões parisienses foi fielmente reproduzido no Brasil. "Dom João VI procurou, dentro do possível, reproduzir as condições culturais de Lisboa. Ele construíu um teatro lírico, criou a capela imperial, contratou a famosa Missão Artística para prover a corte brasileira de modelos a serem seguidos e reproduzidos", revela Aleiton Fonseca. Na tentativa de se aproximar da corte, os brasileiros mais abastados aderiram com facilidade à nova ordem cultural, fazendo com que o padrão trazido de Portugal passasse a ser reconhecido como o único correto e oficial, relegando as manifestações locais, de cunho popular, ao isolamento e à marginalidade. A dicotomia entre música culta e música "vulgar", enquanto referencial de classe, riqueza e poder, predominaria por todo o século XIX. Na literatura, a presença das manifestações lúdico-musicais ocorre enquanto elemento de contextualização. Os autores procuraram recriar nos romances o ambiente social da época. Enredo Romântico, música de fundo, além de desvendar o universo musical que marcou o século XIX pelo seu caráter interdisciplinar, oferece um amplo panorama histórico ao correlacionar literatura, cultura e sociedade.


(in A Tarde, Caderno Cultural, 11/01/97)
 



Aleilton Fonseca
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