Veja,
sou doido por mel de engenho, com farinha. Com cuidados porém, que
essa mistura tem ciências. O mel não pode ser por demais espesso,
nem muito fino; nem a farinha, peneirada, ou por demais
caroçuda. Em suma, uma coisa deliciosa, porém cheia de manhas.
Então,
o jovem sentava-se à mesa e comia morigeradamente. A mãe vinha
com o prato vazio à sobremesa. Ele botava um pouco de mel e, por
cima, a farinha. Mexia.
—
Mãe, mais mel... está duro demais.
—
!
—
Mãe, mais farinha, que está muito fino...
—
!
—
Mãe, mais mel... Mãe, mais farinha... Mãe, mais...
O
ritual se repetia, muitas e muitas vezes,
até que o prato (a rigor, um alguidar, imenso) completamente cheio
de mel com farinha, ele entendia que o "ponto" da mistura
estava ótimo.
Quando
ele aprontava-se da colher à primeira bocadada, a mãe levantava a
mão e, no mesmo silêncio,
passava-se-lhe para as costas. Ele já sabia: soltava a colher, já
cheia de mel, dentro do prato de mel; jogava as mãos para trás, e
ela, num gesto de grande dor (nela, mãe; nele, não),
espetava-lhe gentil e rapidamente a polpa de um dos dedos. Sem
dizer palavra, conferia, na fita de medir; e, enlaçando-lhe os
ombros com as duas mãos, retirava, no maior silêncio, por cima da
cabeça dele, o prato transbordante de mel.
Até
que, um dia, repetido todo o infinito ritual da sobremesa, ela, em vez de
enlaçar-lhe os ombros e puxar-lhe intacto o prato de mel, retornou
à mesa, pegou a menor das colherinhas de café, e tocou-a com a parte de
baixo no mel com farinha, só o convexo, pelo lado de
fora:
—
Meu filho, a dosagem está suportável.
E
os joelhos de ambos foram insuficientes para tanto amargo.
Ceará, 4.5.2004, de madrugada