Astier Basílio
Seguindo a trilha
de João Cabral e Rimbaud
Jornal da Paraíba,
27/08/2004
Lendo o livro Os Ritmos do Fogo (Topbooks),
do pernambucano Weydson Barros Leal, me vieram à mente algumas
questões. Penso que se a figura de Chico Sciense marcou o cenário
musical pernambucano, o conterrâneo João Cabral de Melo Neto, mesmo
sem pretensão, fixou as matrizes da vanguarda nas últimas décadas na
poesia em todo o Brasil.
Se esta influência ainda marca certa
tendência da literatura nacional, a influência do autor de Morte e
Vida Severina, é de se supor, quase asfixiou o surgimento de outro
grande poeta que se valha dos elementos da paisagem local em
Pernambuco ou do seu timbre áspero, de sua dicção originalíssima.
João Cabral é o tipo de artista único. O que a vanguarda faz é
macaquear alguns truques de linguagem que, dissociados da dialética
que o poeta estabelecia com a tradição e de outros aspectos mais
estruturais, perdem o impacto e tornam-se exercícios laboratoriais,
estéreis.
Weydson Barros Leal, autor da nova
geração, felizmente não sofre a influência de querer ser um novo
João Cabral. A principal influência, evidentemente detectável, é do
poeta francês Arthur Rimbaud. Mas, investigar os vínculos
intertextuais ou ainda ecos de outras poéticas não justificam o nome
do autor, nem lhe conferem densidade estética. Poesia está além das
referências, epígrafes, citações e erudição. É um manual de número
único, impossível de ser transmitido.
O que mais impressiona, na poesia de
Weydson, é que o autor não tem medo da aura, da celebração. Não faz
disso sua pedra de toque, não sofistica os elementos de composição,
nem mistifica. Pelo viés por vezes do surreal, noutras do
simbolismo, adensa em uma atmosfera embebida em luzes, cores,
música. Tudo isto tendo em mente a importância do ritmo. A esse
respeito é sempre bom lembrar o depoimento de Carlos Drummond de
Andrade para quem: "liberdade que não é absoluta, pois a poesia pode
prescindir da métrica regular e do apoio da rima, porém não pode
fugir do ritmo, essencial à sua natureza. Há muitas experiências de
vanguarda, procurando abolir tudo o que caracteriza a arte da
poesia, mas ninguém até hoje conseguiu acabar com a melodia e a
emoção do verso autêntico.
Na poesia de Weydson, a natureza vem
reinventada sob a perspectiva do espanto e de reinvenção plástica.
Vejamos a primeira peça do capítulo "Celebração", como o autor
inicia o livro: "Colhe o olhar/ o sol poente./ Em sua tela de
estrondos,/ posso ver o segundo/ em que a serpente marchou de roxo e
laranja/ vestem-se as nuvens/ para a última paisagem (...) Há o
movimento da chuva/ que despeja abrigos". Outro bom exemplo pode ser
visto no mesmo capítulo, no poema XIII: "As aves se vestem de planos
/ para içar a manhã, / e no inventário dos sons que a tudo
antecede,/ reconheço o silêncio/ de que a luz se alimenta/ quando
cai".
A exuberância imagética dá espaço à
reflexão cotidiana e artística do segundo capítulo, que inclusive dá
título ao livro "Os Ritmos do Fogo". De uma passagem para outra, o
autor não descuida do trato com a linguagem, nem com a modulação
rítmica. Pensando sobre o tempo, no poema "Apontamento", Weydson
escreve: "O tempo era minha surpresa antiga (...) O tempo é a volta/
para sempre marcada". A memória ressurge através do poema "Infância"
cuja evocação à casa nos lembra Fernando Pessoa. Descortinando esse
território afetivo, o pernambucano nos confessa: "Lá revelei aos
meus dedos/ as digitais percorridas da folha do jambo/ e em cada
traço, que também era a minha sede,/ descobri os sentidos que
poderia inventar/ para a palavra amor".
A poética de Weydson Barros Leal,
atenta aos questionamentos artísticos da lírica moderna, foge aos
lugares- comuns e aos manuais de transgressão repetidos e copiados
por grupos a dar com o pau hoje em dia. Fala de amor e o faz sem
precisar ser corrosivo.
É o que se pode ver no belíssimo
"Urna" em que o poeta diz: "Amo-te além de quando a dor/ e a alegria
se misturam/ sob o silêncio que restaura,/ ou quando diante de uma
urna/ sagrada, a dor é tudo e nada// (...) eu te amo ao me definir//
Assim, ao te amar e ser livre,/ renovo em meu amor as minhas/
cinzas, que guardo na sagrada/ urna – que se ama – e amor/ é mais
que a luz da própria chama".
No último capítulo do livro, "O Ópio e
o Sal", Weydson firma o cenário da convivência amorosa: "Haverá de
nos suportar o tempo da lida (...)/ Haverá a força para não amar e/
a tarde para recriar os sapatos (...)// haverá música e pêssegos/
quando o espaço entre o chão e a alma/ for um preenchimento apenas
de coisas velhas".
Weydson já foi saudado por nomes
importantes da literatura nacional como Ferreira Gullar, Ivan
Junqueira, Marco Lucchesi e Alexei Bueno.
Leia Weydson
Barros Leal
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