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Augusto de Campos


 


Diálogo a Dois

“A Angústia, Augusto, esse leão de areia”
Décio Pignatari


A Angústia, Augusto, esse leão de areia
Que se abebera em tuas mãos de tuas mãos
E que desdenha a fronte que lhe ofertas
(Em tuas mãos de tuas mãos por tuas mãos)
E há de chegar paciente ao nervo dos teus olhos,
É o Morto que se fecha em tua pele?
O Expulso do teu corpo no teu corpo?
A Pedra que se rompe dos teus pulsos?
A Areia areia apenas mais o vento?

A Angústia, Pignatari, Oleiro de Ouro,
Esse leão de areia digo este leão
(Ah! O longo olhar sereno em que nos empenhamos,
Que é como se eu me estrangulasse com os olhos)
De sangue:
Eu mesmo, além do espelho.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Augusto de Campos


 

O Vivo


Não queiras ser mais vivo do que és morto.
As sempre-vivas morrem diariamente
Pisadas por teus pés enquanto nasces.
Não queiras ser mais morto do que és vivo.
As mortas-vivas rompem as mortalhas
Miram-se umas nas outras e retornam
(Seus cabelos azuis, como arrastam o vento!)
Para amassar o pão da própria carne.
Ó vivo-morto que escarnecem as paredes,
Queres ouvir e falas.
Queres morrer e dormes.
Há muito que as espadas
Te atravessando lentamente lado a lado
Partiram tua voz. Sorris.
Queres morrer e morres.


 

 

 

Ticiano, O amor sagrafo e o profano, detalhe

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Vânia Diniz

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Augusto de Campos


 

Esperança oh magna


Esperança oh magna
cadela
regina com fome
que abraças o esqueleto no corpo
de um espantoso noivo
taciturno e apoiado em seu anel.
Oh aranha esperança
aranha esperança ar
anha esperança
treva as coxas grand’abertas
e uma pequena relva
— e ali deixar nossos pêlos,
Magros joelhos.
Descansa o ventre esperança com um peixe
insinuoso entre as pernas desenrola
a sempiterna seda sobre a seda
de uma coxa que cresce (eu poro eu pele)
espiral esperança granda granda.


 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Slave market

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Renata Palottini

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Augusto de Campos


 

Ar triste. O Artista. Olho


Ar triste. O Artista. Olho:
preso entrepálpebras ferrenhas
Gladiatouro inc’oyable polindo as unhas
friáveis pardelicatesse
à lâmina de sua alma meltrretida.
Nocto malabar(rindo)arabe-
língua (com sopro)
atravesrelva move um pouco
os talos e
arrefece.

 

 

 

Ticiano, Salomé

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Astrid Cabral

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Augusto de Campos


 

Sim


sim
poeta
infin
itesi
(tmese)
mal
(em tese)
existe
e se mani-
(ainda)
festa
nesta
ani
(triste)
mal
espécie
que lhe é
funesta


se
tem
fome
come
fama
como
cama
leão
come
ar


al
moço
antes
doce
do
intes
tino
fino
ao
gr
osso


mais
baixo
que
o
lixeiro
que
cheira
a
lixo
mas
ao
menos
tem
cheiro
o
poeta
lagartixa
no
escuro
bicho
inodoro
e
solitário
em
seu
labor
atório
sem
sol
ou
sal
ário


 

 

 

Franz Xavier Winterhalter, retrato de Roza Potocka

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Circe Vidigal

 

 

24/01/2007