Aricy Curvello
Anto:
Uma grande revista literária de Portugal
Na primeira metade
de 1997, surgia Anto como uma revista semestral de cultura. Foi
batizada em homenagem a António Nobre (1867-1900), a quem assim
chamavam a família e os amigos, um dos poetas da predileção de
António José Queirós, Diretor do novo periódico literário.
Anto tornou-se
possível com os subsídios do Ministério da Cultura de Portugal,
Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, Câmara Municipal de
Amarante, sempre com dois objetivos a norteá-la desde o número
inaugural. O primeiro, homenagear o poeta de Só, inclusive pontuando
que o primeiro centenário de seu falecimento deveria ser lembrado em
2000. O outro, efetuar uma tomada de pulso da poesia em todos os
países que falam Português.
Conseqüentemente,
seu primeiro número trouxe, entre outras matérias relevantes, o
depoimento da escritora Agustina Bessa-Luís a respeito de sua
infância na mesma região em que o poeta viu transcorrer seus últimos
meses de vida em 1899 e 1900, bem como o excelente artigo do crítico
literário português Joaquim de Montezuma de Carvalho a respeito da
poesia de Nobre.
O número 2 foi
dedicado à Galícia espanhola, já que o Galego é precisamente o
idioma-pai do Português.
O número 3 de Anto
foi lançado em maio de 1998 e reservou-nos, a nós brasileiros , uma
grande e gratíssima surpresa . Passo a palavra ao próprio António
José Queirós em sua Nota de Abertura que intitulou de Portugal
–Brasil :
“ Nas vésperas das
celebrações quinhentistas do abraço de Portugal às Terras de
Vera-Cruz , momento áureo da gesta das Descobertas que foram ato e
aventura da maior globalização no conhecimento de outros povos e
outras culturas, a revista Anto não podia deixar de dedicar um dos
seus primeiros números à fraternidade humana, lingüística e cultural
que nos une desde há séculos e perdura até aos nossos dias . ( ... )
Ora, o Brasil não se esgota, longe disso, no que mais imediatamente
chega até nós, sobretudo por via mediática . Dar a conhecer outros
Brasis - através das visões literárias de um vasto leque de
escritores - eis o objetivo deste número de Anto . E nesse propósito
, talvez então se consiga perceber o alcance da aparente avareza
poemática de Jorge de Sena, ao escrever o poema Em louvor do Brasil
num único verso, porém tão denso de significado :“Tal pai tal
filho”.
Essa edição traz uma
antologia de poesia brasileira contemporânea, publicando 45 poetas,
entre os quais Affonso Romano de Sant’Anna, Aglaia Souza, Aricy
Curvello, Brasigóis Felício, Carlos Nejar, Ferreira Gullar, Gerardo
Mello Mourão, José Godoy Garcia, José Santiago Naud, Lêdo Ivo, Olga
Savary, Orides Fontela, Ruy Espinheira Filho , Suzana Vargas. Anto
nº 3 encerra-se com o professor e crítico literário espanhol
(nascido na Galícia) Xosé Lois García, considerado o maior
especialista mundial em poesia escrita em Português, fazendo a
apresentação dos 45 poetas brasileiros da antologia, com que a
revista se abriu. Escrevendo em Galego, o professor García, além de
medir e pesar em palavras lapidares a obra de cada poeta, conclui
ser indiscutível que a Europa não conhece a imensa variedade e os
diversos contextos da poesia brasileira, exceção feita a Portugal .
A quarta edição
voltou-se para os cinco países lusófonos da África (Angola, Cabo
Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe). No Índice ao
final do volume pode-se identificar o país de origem de cada autor
apresentado. Muito do melhor da África que fala Português aí está,
como Kajim Ban-Gala (Angola), Juvenal Bucuane (Moçambique) e Corsino
Fortes (Cabo Verde).
O número seguinte
foi dedicado à Ásia, focalizando Goa na Índia, Macau na China (pouco
antes do retorno do território à soberania chinesa) e Timor Leste
(hoje construindo sua autonomia em relação à Indonésia). Para que se
forme uma idéia do empenho com que a revista é tratada, seu Diretor
foi a Macau para o lançamento desse número cinco.
Circula atualmente o
nº 6 de Anto, sem dúvida o que demandou mais esforços e mais tempo
para seu fechamento, sobretudo porque estampa uma mostra da poesia
ibero-americana contemporânea. Focaliza poetas representativos de
Portugal, Espanha e dos principais países da América Latina. Como
prova da isenção de Anto, Cuba está, por exemplo, muito bem
representada por quatro poetas que vivem na Ilha: Roberto Fernández
Retamar (atual diretor da Casa de las Américas), Virgilio López
Lemus (o mais importante historiador e crítico literário cubano, bem
como o principal tradutor de literatura brasileira em Cuba), Carilda
Oliver Labra (a grande dama da poesia cubana) e Alberto Acosta Pérez
(uma das maiores esperanças da jovem poesia da Ilha) ¾ e por dois
exilados que vivem em Miami: Francisco Henríquez e Juana Rosa Pita.
A maior seleção em
Anto-6 é a brasileira, com trinta autores, das mais diversas
tendências. Embora reprisando os nomes mais badalados pela mídia
(Ferreira Gullar, Carlos Nejar, Affonso R. de Sant’Anna, etc.),
procurou-se não repetir os mesmos já publicados no número dedicado
inteiramente ao Brasil, donde se partiu em busca de poetas
representativos da Amazônia, do Centro-oeste e do Nordeste, por
exemplo, quase ausentes no número 3. Aí temos poemas de Manoel de
Barros (representando os dois Estados do Pantanal, Mato Grosso do
Sul e Mato Grosso), Miguel Jorge (Goiás), Thiago de Mello
(Amazonas), Jorge Tufic (Acre), Nilza Menezes (Rondônia), Max
Martins (Pará). Da mesma forma, autores do Nordeste que há muito
mereciam um preito por seu trabalho (Ascendino Leite, na Paraíba) e
promessas que já se consolidaram em obras como é o caso de Marcos de
Farias Costa ( representando Alagoas) e Majela Collares
(representante do Ceará). Também, não se poderia deixar de incluir
Ilma Fontes, por sua poesia e pelo que na área cultural ela faz e
representa em Sergipe.
João Cabral de Melo
Neto, com quem se estava em tratativas para que participasse, teve
seus males agravados e veio a falecer antes do fechamento da
revista, em que representaria Pernambuco. Ao lado de Rafael Alberti
e de Uxío Novoneyra, seu nome consta da homenagem que se prestou aos
três grandes poetas ibero-americanos falecidos no ano de 1999.
A coleção de Anto,
pela sua preciosidade e também por sua raridade, já que de cada
número são tirados apenas 750 exemplares, não se destina apenas às
grandes bibliotecas de Portugal, a especialistas e a bibliófilos,
embora o alto nível de seu conteúdo, os belos grafismos de sua capa
e seu esmero gráfico. Destina-se, muito mais, à nossa reflexão de
lusófonos. O levantamento mundial que empreendeu da poesia atual
escrita em Português, apoiado em parte em trabalhos do grande
especialista que é Xosé Lois García, leva-nos a olhar nos dias de
hoje a globalização em curso e a intensidade com que as
telecomunicações e a indústria cultural dos paises capitalistas
hegemônicos estão nos bombardeando, com sua enxurrada de
best-sellers, artes do consumismo, revistas para autômatos,
sucedâneos de uma cultura nacional e de sua história. E os
questionamentos passam a pulular. Nossos críticos literários em sua
maioria ainda não se deram conta de que uma revolução tecnológica
extremou o alcance e o impacto das telecomunicações, da televisão a
cabo de modo particular e da informática, em especial a Internet. As
fronteiras nacionais estão ficando ultrapassadas. Que tipo de novos
movimentos literários desencadear para fazer face ao massacre da
cultura de um país latino-americano como é o nosso caso? Que novas
formas de edição de poesia e de sua circulação deverão os poetas,
estas eternas antenas do futuro, buscar? Que novos suportes
materiais para a poesia e a ficção? Pela própria natureza dos
perigos que enfrentamos, as soluções deverão também ser buscadas
internacionalmente. Isto Anto já está sugerindo aos inconformados
buscadores do novo e do mais humano que o humano que, afinal de
contas, é a arte.
Como estava previsto
desde a sua criação, Anto lançará neste ano de 2000 o seu número 7,
o último, em que lembrará o centenário da morte de seu poeta
luminar, António Nobre, ocorrido em 18 de Março. Com esse número a
circular em breve, com muito pesar teremos de nos despedir dessa
revista que deixará saudade, aliás, uma palavra legitimamente
portuguesa com certeza.
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