Aricy Curvello
Épico acampamento
Por
Dilermando Rocha
Além das duas mais famosas ficções
exaltando o esplendor amazônico – A Selva, do luso Ferreira de
Castro, que viveu o boom da borracha, e La Vorágine, do colombiano
José Estivera, que pintou com fortes tons o adâmico paraíso do
eldorado pra turistas e pros demais, inferno verde - , tivemos
recentemente Nicodemos Sena, em a Noite é dos Pássaros, inspirado no
baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, da Viagem Filosófica pelas
Capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá, no século
XVIII e, também, em Duas Viagens (ao Brasil), de Hans Staden, no
século XVI, alemão que conseguiu escapar dos tupinambás chorando
ante ameaça de ser devorado, o que, ademais, ocorreu com Juca Pirama,
de Gonçalves Dias. Tudo bem diferente dos românticos Iracema e O
Guarani, de Alencar, e do trágico fim do nosso primeiro bispo dom
Pero Fernandes Sardinha, que desprezou humilhação das lágrimas,
preferindo imolar-se no santo sacrifício de rito canibal dos caetés
das Alagoas.
Antes, descreveram o exuberante mundo verde o Padre Vieira, em l654,
John Wilkens, Friedrich von Martius no século XVIII, Inglês de Souza
no XIX, Abguar Bastos em 1929, Lauro Palhano na construção da
Madeira-Mamoré, mesmo assunto de Márcio de Sousa em Mad Maria e
Gastão Cruls, Roquete Pinto, Rondon, os irmãos Villas Boas, José
Veríssimo, Euclides da Cunha, Alberto Rangel, Sousândrade, Peregrino
Jr., Osvaldo Orico, Brandão Amorim, Raul Bopp, Vivaldo Coaracy,
Artur César Ferreira Reis, Nunes Pereira, Milton Hatoum, Márcia
Teophilo, Getúlio Alho, Jorge Tufic; todos supermotivados pela
impactante paisagem.
Agora, Aricy Curvello. Após 9 meses de gestação explodiu seu estro,
na Cia. Vale do Rio Doce em Trombetas-1975/1976, possuído pela Musa
das Selvas, verve extasiada porém contida, encantado mas meticuloso
e reflexivo o bom mineiro de Uberlândia. Aricy soltou o verbo
conciso, enxuto, aqui na forma de verso, poesia da mais alta
qualidade, pequeno-grande poema em seis Cantos ou estrofes, sentidos
fragmentos sob simples título, O Acampamento, já em 5ª edição e
traduzido ao espanhol, francês e italiano, que nos cativa, comove,
sobretudo instiga. Assim inicia:
“Barracões contra o rio,
o ermo contra as tábuas.
Nenhum sinal para fixar-te,
senão fluxo e passagem”
“a relva pisada em volta das casas...
floresta das chagas...
mugem na Amazônia palavras sem poema”
- o que é então esta pungente obra? – “absurda coleção de pragas”.
“Onde a floresta começa, o Brasil acaba? ”
Ferinos dardos na gente que não soube continuar a conquista dos
bandeirantes, pois ficou morando como mariscos no litoral atlântico!
Na estança nº 2 evoca a voz do silêncio “esse inarticulado grito”. O
terceiro fragmento: “No princípio do mundo, a madeira atroz”
disputada por madeireiras de executivos “laranjas”, grileiros,
agronegócios das queimadas ora focadas na Internet, satélites e
imprensa.
No trecho 4, “os verbos ardem ... verde arder e consumir-se.
Braços... não nomes, não rostos/ não de nenhuma aparência como
cimento e tijolos.”
O texto 5, pouco mais longo, “A terra verdesuja.../ A verdeluz... O
que vejo: não mais verei. Ilhas sem mim... arquipélagos dos lagos
... Roçar de asas / colorados estandartes em bandos ... Abrem,
rasgam/ arrebentam a terra/ os homens não buscam a luz do rio”,
caminho vivo prenhe de brilho do sol enquanto a mata “ no chão
noturno mais noite que a noite... Querem/ apenas bauxita... O
Governo quer alumínio ferro ouro cobre cassiterita chumbo níquel ...
o horror/ veio tecer diademas de injúrias, meu salário”.
No último Canto, “núcleos esparsos de povo, nos povoados/ perdidos .
No vasto país que se descobre em barcos de grosso casco e marcha
lenta,” chalanas que precisam levar civilização aos amazônidas,
precisam implementar o ecoturismo, precisam proteger a fauna em
safáris só com armas de festim “no tempo em que quase tudo é tarde”.
E termina repetindo o princípio de cruel sentença, “relva pisada em
volta das casas” num épico berro e não súplica, numa elegia...
(Dilermando Rocha, escritor, é mineiro de Juiz de
Fora.)
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