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Aricy Curvello


 


A Voz na selva

 


Por Manoel Hygino dos Santos


 

A idéia de poema muda com ou em Aricy Curvello. A serviço de uma subsidiária da Vale do Rio Doce, acompanhou os trabalhos de exploração de bauxita em Trombetas, morando no Porto que tem o nome desse rio. Não saberia dizer se houve uma metamorfose em sua vida ou se uma revelação.

Em 1975/1976, o jovem poeta, em caminhadas nas horas livres, descobriu na vala das enxurradas fragmentos de cerâmica. Constituía material arqueológico da Cultura Konduri, uma das três mais importantes da pré-história da Amazônia. As raríssimas peças ele doou ao Museu de História Natural da UFMG, em Belo Horizonte.

Coincidentemente, foi na Amazônia que sua poesia se abriu. Houve aquilo que Rebelo da Silva classificou do sublime que desce ao homem. Então, 'o homem... reabrindo os olhos para a grande natureza... recomeça a compreender a vida, a interrogá-la, não já no dogma imposto pela revelação, mas no fenômeno diretamente observado'. Recorro a Ramalho Ortigão, outro autor de Portugal, país a que já chegou a produção poética do mineiro de Uberlândia.

Foram nove os meses na distante região, inspiradora de grandes nomes das letras, das pesquisas, das ciências, para Aricy gerar o seu mais celebrado poema. Nove meses, pois sim, que permitiram a délivrance de uma obra-prima e singular, sobre a qual tantos falaram e tão bem, aqui e alhures: 'O Acampamento'. O título lembra o tempo, o panorama daquele pedaço muito especial do Brasil, que casa com imensa região sul-americana, em que explodiu o fermento telúrico da natureza.

Ali milhões de pessoas tiveram também de mostrar força para instalar-se e sobreviver no solo prodigioso, já antes habitado por mais de uma civilização.

O ambiente próprio para a metamorfose e para a revelação. O perene e o efêmero no vaso da existência, no cadinho em que nada fica igual, em que tudo está em permanente transformação.

'Tudo' é um curto poema, de múltiplo sentido e valioso ensinamento: 'Viver o instante é tudo que posso _ instante é tudo o que passa'.

O título, 'O acampamento', evoca a aventura amazônica de Trombetas; a busca da bauxita que alimenta a indústria de alumínio do homem que se vai encontrar e revelar-se, ao perceber, em contato íntimo, incessante mutação da terra e dos que nela elaboram.

Acaba de sair a esmerada quinta edição. Realizou-a Jayro Schmidt, editor de Florianópolis e graças também ao bibliófilo Iaponan Soares. Aquele é renomado artista plástico e gráfico, autor aliás da excelente serigrafia que ilustra a obra e também responsável pela laboração da árvore, em alto-relevo, da capa.

Desde sua obra poética, de que muito se orgulha o autor, em carta me confessa: 'Este pequeno poema longo parece ter criado pernas e caminhar por si mesmo: Vai crescendo a relação (fortuna crítica) de textos publicados que a ele fazem referência', dentro e fora do Brasil.

O competente Fábio Lucas estava recentemente escrevendo um artigo a respeito, aduzindo sua valiosa opinião à de Ledo Ivo e Antônio Carlos Sechin, da Academia Brasileira de Letras. Também o fez, há pouco, a escritora, crítica e professora universitária Moema de Castro e Silva Olival, da Academia Goiana.

A quinta edição, aqui referida, é da Editora Broquéis. Finíssima, com 91 exemplares numerados e assinados por Aricy Curvello. Planejada por Jayro Schmidt, autor da capa e da ilustração, a impressão serigráfica é de Zé Fagundes e o papel artesanal de Patrícia Amante, da capital catarinense.

Tudo tão distante de Trombetas, do acampamento: 'Barracões contra o rio,/ o ermo contra as tábuas./ Nenhum sinal para fixar-te, nenhum, senão fluxos e passagem,/ o significado para as águas, a relva pisada/ em volta das casas./ Nenhum céu, nenhum, todos de alumínio e uma Floresta de chagas.

*Jornalista e escritor.
E-mail: colunaMH@hojeemdia.com.br

 

 

 


 

14/09/2005