Ângelo D’Ávila
O porquê do envelhecimento
Josemar fazia Gnani Yoga, a yoga da
sabedoria, já havia aprendido respostas para muitas questões, como
por exemplo: porque nascemos aqui no mundo, porque sofremos e
gozamos, porque morremos e o que nos acontecerá depois da morte. Um
dia, porém, esbarrou numa questão que julgava irrespondível. Não
conseguia descobrir o porquê dos porquês das coisas que acontecem no
mundo. Consultou seu guru:
- Mestre, me esclarece sobre o porquê
dos porquês das coisas que acontecem com a gente aqui no mundo?
Disse-lhe o mestre:
- Não vou lhe afirmar que esse porquê,
do qual você procura a resposta, esteja respondido na Lei do Carma,
porque você me perguntaria o porquê da Lei do Carma, então
dar-lhe-ei minha resposta fazendo-lhe uma pergunta: Qual é o porquê
da vida?
Josemar para não ficar calado arrumou
uma resposta:
- O porquê da vida é ser sinônimo de
existência, porque tudo que existe vive e porque tudo que vive
envelhece.
- Você se complicou: meteu mais dois
porquês na questão sem resposta, o porquê de que tudo que existe
vive e o porquê de que tudo que vive envelhece.
- Sim, mestre, sabemos que isso é uma
verdade inconteste, ao verificarmos quimicamente as modificações que
acontecem com o passar dos tempos em certas substâncias minerais que
alteram suas propriedades, a exemplo do alumínio que sofre
endurecimento progressivo, da borracha que perde a elasticidade, das
soluções coloidais que se deturpam com o tempo, e do período de
tempo que a radioatividade de uma substância precisa para reduzir de
0,3697 o seu valor original – uma perda que podemos encarar como
envelhecimento.
- Claro, claro!... você disse bem, mas
isso não responde quais os porquês do porquê que tudo vive e do
porquê que tudo envelhece. O porquê do que tudo vive deve ser o
mesmo porquê da vida. Nossa consciência humana não atingiu o nível
capaz de responder esse enigma. Sabemos apenas que a vida é o
laboratório da mente que modula nosso espírito na evolução humana,
mas não podemos afirmar que isso seja o porquê de tudo que vive,
justamente porque tudo passa da vida só não passa a vida. Nós não
podemos alcançar as dimensões da vida para descobrir as razões que
correspondam ao seu porquê. O problema da vida é que ela não está em
nós, nós é que estamos nela desde antes do nascimento, como depois
da morte, sem limite de vivência.
- Mestre!... e sobre o porquê do
envelhecimento?
- Bem, quanto a isso podemos analisar
a questão, posto que o porquê do envelhecimento se imiscui no plano
físico e pode ser respondido através de dois temas: o conhecimento
científico e a sabedoria espiritual. Entre os vários autores que
apresentaram reflexões sobre o primeiro tema, podemos citar
Aristóteles, ao dizer que o envelhecimento é um depauperamento
causado pelo princípio que traz em si o seu próprio fim, apelidou
isso de enteléquia. Marie Xavier Bichat, fisiologista francesa, em
seu Tratado das Membranas e Investigações Fisiológicas sobre a Vida
e a Morte, definiu o envelhecimento como conseqüência de uma lei in
natura que nos faz desgastar paulatinamente até à morte. Claud
Bernard, colega desta última, ambos professores na Sorbonne,
contestou-a, considerando impossível apresentar uma reflexão
satisfatória que explicasse o envelhecimento, posto que seja
inacessível e abstrato. Parece que ele ouviu cantar o galo...
De um modo geral, esses cientistas,
fisiologistas, ou filósofos, limitaram-se a caracterizar o
envelhecimento no organismo humano, sem considerar o que ocorre
semelhantemente nos seres vegetais e minerais. Tão pouco observaram
que o envelhecimento tem uma conexão contrária ao depauperamento no
passar dos tempos, haja vista a evolução da criança que envelhece
adquirindo vigor, ou seja, rejuvenescendo na mocidade até atingir
sua plenitude consciencial na vida madura, o que nos basta para
rejeitar as duas primeiras definições acima mencionadas.
Ademais, os mestres da Kriya Yoga -
veja Autobiografia de um Yogue, de Paramahansa Yogananda – ensinam
que o praticante desta ciência “impede o envelhecimento do corpo,
assegurando-se um suprimento adicional de prana (força vital) ao
aquietar a ação dos pulmões e do coração: ele também detém as
mutações do crescimento físico pelo controle de apana (corrente
eliminador). Deste modo, neutralizamos o crescimento e a
degenerescência, o yogue aprende a controlar a força viral” – e
justifica – “A ciência da Kriya Yoga baseia-se num método
psicofisiológico, pelo qual o sangue humano se descarboniza e volta
a oxigenar-se. Os átomos deste extra-oxigênio transmutam-se em
corrente vital para rejuvenescer o cérebro e os centros da espinha.
Sustando a acumulação do sangue venoso, o yogue pode diminuir ou
evitar a degeneração dos tecidos.”
- Para comprovar – acrescentou o
mestre - recordemos que Paramahansa Yogananda, mestre da Kriya Yogue,
faleceu em 7 de março de 1952, foi sepultado no dia 27 do mesmo mês,
vinte dias depois, mostrando seu corpo incorruptível com as mesmas
cores e aparente vitalidade de quando vivo, sem que nenhum artifício
químico fosse utilizado para conservação de tal efeito.
Aliás, esta ciência da Kriya Yoga, de
origem indiana, já difundida nos Estados Unidos e, recentemente,
começada no Brasil, afirma que alguns praticantes podem levar de
seis até quarenta anos para atingirem a realização completa. Está
ainda fora do nosso alcance e entendimento, conquanto conste na
literatura própria o fato de uma mestra tibetana de nome Giri Bala,
que há anos não se alimenta materialmente, senão da força vital que
consegue captar, e fala de outro yogue que desmaterializa seu
próprio corpo.
- Mestre! – indagou Josemar – Bem, se
assim é, agora me explique o porquê do envelhecimento dentro da
sabedoria espiritual.
- Na minha atualidade de praticante da
Gnani Yoga, o envelhecimento me provoca uma reflexão caracterizada
como sendo uma força vital em ascensão que impulsiona o organismo
humano na quadra infanto-juvenil, no sentido de configurar a
mocidade e saturá-la na fase da maturidade. Daí, esta força se
descamba para a velhice, começando a executar o trabalho de
acumulação das experiências vividas no inconsciente da mente
inacessível e abstrato de Claud Bernard, com o objetivo de
sedimentar em nosso espírito as causas que fornecem à consciência os
efeitos benéficos ou maléficos, conforme tenhamos vivido bem ou mal.
Considero que o espírito não morre, vive múltiplas vidas sucessivas,
repetindo-se como uma curva biológica de ida e volta ao ponto de
partida, onde se encontram os extremos corporais do nascimento e da
morte. O próprio Shakespeare, no seu soneto 146, teve esta intuição
ao escrever: “Assim te alimentarás da Morte que se alimenta dos
homens; e morta a Morte, então, não haverá mais morrer.”
O mestre fez uma pausa, bebeu um gole
de água e concluiu:
- Desta sorte, quanto mais o espírito
vive, ao contrário de envelhecer mais se rejuvenesce com as
aquisições das virtudes adquiridas nas experiências vividas até se
imiscuir na Luz Imperecível, de onde tudo vem e pra onde tudo vai,
porque o prêmio das virtudes são as próprias virtudes. Concluindo, o
envelhecimento não é um processo de depauperamento ou desgaste nos
dizeres de Aristóteles e Marie Xavier Bichat, muito pelo contrário –
é um processo de rejuvenescimento para o espírito no passar dos
tempos, dir-se-ia uma reciclagem de vida em vida. Essas idas e
vindas da curva biológica do envelhecimento, outra coisa não é,
senão o rejuvenescimento espiritual configurado nas repetições
daquilo que chamamos a eternidade da vida, como acontece na natureza
com a árvore e a semente, sucessivamente, eternamente. Eis,
portanto, o porquê do envelhecimento: rejuvenescer o espírito.
- Obrigado, mestre, por mais essa
lição – agradeceu-lhe o discípulo Josemar.
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