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Adelto Gonçalves




Estranhas experiências e outros poemas




 

Poucos poetas hoje no Brasil já leram tanto e são tão cultos quanto Claudio Willer, que acaba de lançar o seu quarto livro no gênero, Estranhas experiências e outros poemas, que reúne produções de toda uma vida dedicada à poesia, mais especificamente, e à cultura de um modo geral. Willer chega à idade em que a vida anoitece com a clarividência que lembra a daqueles participantes da guerra civil espanhola que, embora derrotados no campo de batalha, nunca capitularam diante dos poderosos.

Nada mais natural, não fosse o poeta um anarquista, que não precisou ler Octavio Paz para descobrir que o marxismo trazia embutido em sua ideologia um monstro que, uma vez instalado no poder, começa a comer a liberdade pelas bordas. E que por isso foi relegado ao ostracismo pela patrulha esquerdista e anatematizado pela burguesia. Por isso, nada mais lhe restou do que viver à margem.

Já começou à margem, quando em 1964 lançou Anotações para um Apocalipse (São Paulo, Massao Ohno Editor), estimulado, entre outras coisas, por um coquetel do Robert Desnos de Liberté ou l´amour, Michaux e Bataille, que leu em francês, mas, principalmente, influenciado por Poeta em Nova York, de Federico García Lorca . Por esses anos, leu modernistas, surrealistas, os poetas e narradores da geração beat com Jack Kerouac à frente e participou de alguns happenings de poesia ao lado de Roberto Piva nas noites de São Paulo.

Jamais integrou oficialmente o grupo surrealista que existiu no Brasil de 1965 a 1969, como diz o poeta Floriano Martins na conferência “O Surrealismo no Brasil”, que integra o livro Escolas literárias no Brasil (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2004, dois volumes), de Ivan Junqueira (coordenação). Isso, porém, não significa que não tenha sido surrealista. Pelo contrário. A poesia surrealista foi a formação de Willer e também a de Piva. A raiz do impedimento de ambos à adesão formal ao grupo surrealista brasileiro comandado por Sérgio Lima, diz Martins, foi uma certa reserva de André Breton de aceitar desdobramentos do surrealismo, como a beat generation e a contracultura.

Nos anos 70, Willer leu T.S.Eliot e não passou incólume. Leu também com sofreguidão o poeta português Herberto Helder, que tem poemas que ele confessa que gostaria de ter escrito - haveria maior elogio? E não foi só a boa poesia que o influenciou: Willer leu também muita prosa de alta qualidade, como a dos brasileiros Guimarães Rosa e Clarice Lispector, a dos argentinos Jorge Luís Borges e Julio Cortázar, a dos cubanos Severo Sarduy e Lezama Lima, sem esquecer dos teóricos que inspiraram poesia como Wilheim Reich, Norman Brown (que fez um livro de filosofia em prosa poética, lembrou ele numa entrevista a Floriano Martins que está na revista eletrônica Agulha), Bataille, Foucault, Walter Benjamin e, especialmente, o mexicano Octavio Paz.

Em 1968, em Paris, às vésperas do Maio francês, Willer participou de uma reunião entre surrealistas, mas já sem Breton, morto em 1966. Em companhia de Paulo Paranaguá, esteve na casa de Vincent Bounure, integrante ativo do grupo, com quem teve prolongada discussão a respeito da geração beat, cujo valor literário o francês nunca admitiu. Willer não, talvez por causa de seu pensamento anárquico, identificou-se com os corifeus da geração beat, embora nunca tenha deixado de estar ligado, ao menos idealmente, ao surrealismo.

Tanto que produziu um prefácio e preparou Os Cantos de Maldoror (São Paulo, Editora Vertente, 1970; Max Limonad, 1986), de Lautréamont, os Escritos de Antonin Artaud (Porto Alegre, L&PM Editores, 1983), e fez vários poemas engajados na temática surrealista. Mas o que Willer se tornou foi mesmo um poeta-ensaísta como Breton, Paz e Allain Ginsberg, de quem ele traduziu Uivo e Kaddish e outros poemas (Porto Alegre, L&PM Editores, 1984). Prepara-se para publicar ensaios sob o título Surrealismo, poesia e poética, pela Editora Perspectiva, de São Paulo. Escreveu ainda narrativa Volta (São Paulo, Iluminuras, 1996) e participou de várias antologias de poesias publicadas no Brasil e no exterior.

Em 1976, lançou Dias Circulares (São Paulo, Massao Ohno), que coincidiu com um acontecimento que recebeu o nome de Feira de Poesia e Arte, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, à época da fase mais agressiva da ditadura militar (1964-1985), mas que, de certo modo, tinha a ambição de repetir um pouco o que fora a Semana Modernista de 1922. A Feira ficou esquecida - e só é aqui lembrada porque o próprio Willer a registrou em “Viagens 6 Quase um manifesto”, que faz parte de Jardins da Provocação (São Paulo, Massao Ohno-Rosiwitha Kempf Editores, 1981).

Agora, Willer lança Estranhas Experiências e outros poemas (Rio de Janeiro, Editora Lamparina, 2004), que reúne poemas mais recentes, mas basicamente republica outros que saíram Anotações para um Apocalipse, Dias Circulares e Jardins da Provocação. Sua gênese, porém, como diz o poeta na apresentação, está no denso caldo de cultura dos grupos de jovens poetas paulistanos da década de 1960.

Esse ambiente, aliás, Willer comentou no posfácio que escreveu para a Antologia Poética da Geração 60 (São Paulo, Editorial Nankin, 2000). O poeta lembra que ele e seus amigos de letras costumavam ler em voz alta, uns para os outros, Fernando Pessoa, Jorge de Lima, os poetas do surrealismo - e Willer, especialmente, sabe muito bem ler seus próprios poemas, transformando-os com sua emoção. Diz Willer que o horizonte literário desses poetas vinha do Rimbaud de Iluminações e Uma temporada no inferno, “livros de cabeceira de tantas gerações literárias, do início do século XX até hoje”.

Só a apresentação que Willer fez para Estranhas Experiências é um testamento de uma época que nem sempre é lembrada com a devida reverência por nossos críticos literários, alguns inclusive que ainda falam da poesia brasileira como se o mundo houvesse parado em 1958, sem que eles tivessem descido. Ele lembra que em 1974-75 as suas influências eram o romance Sob o Vulcão, de Malcolm Lowry, e os contos de Dashiell Hammet. Nessa época, escreveu “Homenagem a Dashiell Hammet” em que diz:

(uma geração pulou no abismo
mas você foi mais adiante
levantou a tampa da vida.
 

Como poeta-ensaísta, melhor do que ninguém, soube traçar a trajetória dos desajustados poetas paulistanos da década de 60. No começo, ele, Piva e Rodrigo de Haro, um beatnik que ficou esquecido, não foram levados a sério. Devotaram-lhes um retumbante silêncio. Willer mesmo reconhece que ele e seus companheiros de viagem levaram mais de 20 anos para serem lidos e aceitos pela crítica tradicional, que ainda estava impregnada por uma influência conservadora e beletrista.

Depois, todos passaram a ser vistos como poetas cerebrais, mas ainda à margem. A rigor, até hoje, nem Piva nem Haro nem Willer tiveram a recepção que merecem, já não se diz entre a crítica tradicional de jornais, mas entre os acadêmicos. Ultimamente, porém, Willer comça ser canonizado, se é que este adjetivo pode cair bem a quem sempre viveu e pensou anarquicamente, longe dos campanários e igrejinhas literárias: tem sido procurado por poetas mais jovens que descobrem que muitas de suas excentricidades ou idéias revolucionárias já foram percorridas por ele há décadas.

O poeta, porém, não pára. Com Floriano Martins, poeta de geração mais recente, cuida desde 2000 da revista eletrônica Agulha (www.revista.agulha.nom.br), que, além de abrir espaço para a poesia e a crítica brasileiras, tem mantido intenso diálogo com poetas de língua espanhola. É que Willer odeia a estagnação, sua poesia está sempre em movimento, como provam os poemas recentes e inéditos que incluiu em Estranhas experiências. Num deles, “A verdade”, diz:

      (…) todos, todos eles
      os que agora vagam pelas mesmas ruas
      os personagens fantásticos os profetas do desencontro os poetas
      malditos os videntes os ensandecidos os marginais
      seus passos, nossos passos contraculturais e magníficos
      ecoam, ressoam pelas ruínas do Ocidente
todos - todos eles irremediavelmente enlouquecidos
e nada sobra -
             escrever é difícil, mais difícil ainda é relatar como agora a vejo
                          em todo lugar
                          simultânea multiplicação de abismos (…)

 





Estranhas Experiências e Outros Poemas
Claudio Willer. Ed. Lamparina. Rio de Janeiro. 2004.

 



Claudio Willer
Leia a obra de Cláudio Willer
 

 

 

 

27/05/2005