Arnaldo Jabor
Quanto mais bater, mais ele cresce
(in O Globo, Segundo Caderno,
18 de abril de 2006)
Nossa crise acontece dentro de um
mundo cada vez mais difícil de entender, provocando o surgimento de
populismos e simplismos em toda parte. Bush é o início desta revolta
dos imbecis, o Hitler dos idiotas, lutando contra a democracia e o
multilateralismo. A estupidez corporativa global, o fanatismo
religioso e político tomaram o poder na Terra. Aqui, também vemos
uma fome de simplismos e soluções mágicas. A crise se passa também
numa região interior de nós mesmos chamada “Brasil”. Por isso penso:
qual será a repercussão do trauma da era Lula sobre nós? E não há um
só “nós”. Há os “nós” analfabetos, os escolarizados, os burgueses. O
trauma-Lula reverbera de vários modos.
A quadrilha montada pelos bolchevistas
com o consentimento de Lula, o aparelhamento do Estado com 40 mil
enfiados nas brechas da República, o montante de grana desviado,
nada disso mexe com o Lula, que se mantém firme nas pesquisas. Os
crimes desse governo deixariam o Collor no tribunal de pequenas
causas, ele que por muito menos foi impichado . Mas Lula se mantém
inatingível. Por quê?
Bem, Lula é a figura mais legível para
a imensa população de ignorantes do país (e não falo só dos grotões
remotos...). Lula parece “fazer sentido”, em meio a uma fase
política sem ideologias claras. As desilusões da hora permitiram-nos
contemplar não só a vergonha do sistema político vigente, como o
absurdo de complôs totalitários de um pseudoprogressismo tipo Dirceu
e PT leninista. Eu cheguei a pensar que a crise seria boa para que
parássemos de acreditar numa “solução” mágica, voluntarista, para o
Brasil. Achei que ficaríamos menos babacas, que não votaríamos mais
por brados demagógicos. Achei que tínhamos aprendido que a
competência administrativa era mais importante que delírios
utópicos. Achei que os intelectuais ficariam mais ativos, querendo
conceitos novos para ajudar a pensar o país, em vez de ficarem
chorando por mitos perdidos ou deslumbrados pelo “iluminismo
proletário”. Eu achava isso. Mas creio que não está havendo
desilusão da maioria. A persistência do fenômeno Lula mostra que não
há como explicar para a população o tamanho do perigo que estamos
correndo. Os escândalos “didáticos” que explodiram não são claros
nem para muita gente boa, que fica chocada com a “corrupção” do
governo, mas não entende que este perigo é institucional,
regressivo. Não entendem que esta corrupção não é igual à boa e
velha malandragem das oligarquias. Falam que “sempre foi assim” e
deprimem. Não entendem que o plano da quadrilha do Dirceu, com
anuência de Lula, visava à desconstrução de nossa frágil democracia
para voltarmos a um Brasil atrasado, que nos corrói há seculos, não
entendem que os bolchevistas estavam fazendo um burro serviço para a
velha direita secular. Como explicar que queriam a volta do atraso,
por um intervencionismo de ruptura, com a re-estatização da
economia? Como explicar para o povo que é preciso desconstruir o
Estado arcaico, diminuir os gastos públicos, para que um “choque de
capitalismo” desfaça a solidez do sistema patrimonialista, como
explicar que é justamente o Estado inchado que impede o crescimento
e faz a miséria, como um câncer comendo a poupança nacional? Como
explicar isso a um sujeito que está num barraco da periferia
recebendo cem paus por mês de uma Bolsa Família ou então está de
porre em Ipanema chorando por seus sonhos infantis? Como falar em
globalização, modernização, diante das metáforas do Lula sobre
futebol, se dizendo o melhor presidente “desde Pedro Álvares
Cabral”? Como vencer a legibilidade da estupidez com palavras
elegantes? Lula é óbvio, um sólido símbolo e está ficando até mais
“claro” para o povão, pois, graças a Roberto Jefferson, seus maiores
Judas foram extirpados, com a destruição do PT dirceuzista que o
controlava. E, de certa forma, isso foi até bom para o Lula, que se
livrou dos comunas que o usavam como símbolo e “cavalo”. Lula agora
pode expor a plenitude de sua mediocridade, agradar às grandes
platéias e cumprir a missão populista que nossa formação histórica
demanda, almeja mesmo, há séculos: ter um “salvador” da pátria, um
pai do povo, um pobre no poder, a luz santa da burrice. O “design”
do Lula é muito mais gráfico que o dos tucanos. O tucano quer ter a
elegância do pragmatismo, a beleza do bom senso, a tolerância
crítica ao capitalismo inevitável... O tucano quer ser eleito porque
se acha educado, complexo, mas o povo quer grossura, obviedades,
estatuetas para adorar. E Lula é um perfeito orixá: tem a crescente
arrogância das “vítimas das elites”, tem um layout nítido do herói
operário de barba e sem dedo, é a figura perfeita para os menos
instruídos se identificarem. Quanto mais batermos no Lula, mais ele
cresce. Ele conseguiu se destacar da quadrilha que comandou e ficou
como um resistente, sob as porradas dos brancos, dos finos da “zelite”.
O Brasil profundo quer isto. Não temos maioria eleitoral para finas
propostas. FHC e o surto de sensatez realista foi um intervalo
casual, assim como Clinton foi na América o último suspiro da
liberdade dos anos 60. FHC só foi eleito pelo sucesso do Plano Real,
que o PT tentou impedir. Agora, assim como a América quis o Bush,
estamos voltando à realidade atávica de nossos desejos burros,
influenciados também pela onda de boçalidade que banha a AL, com
Chávez e outros idiotas sendo eleitos na Bolívia, no Peru.
Uma vez reeleito, o “Lula 2” será um
sarapatel de concessões e alianças, será um pmdb com bravatas
populistas, pondo em risco a estabilidade monetária e a
responsabilidade fiscal, aumentando o aparelhamento do Estado.
E o mais assustador é que o pesadelo
de seu segundo mandato fracassado não fará o povo desiludido buscar
algo mais progressista ou novo. A desilusão com Lula não nos levará
à busca de alguém melhor. Vamos querer algo pior, mais óbvio, mais
enganador. Em 2010, o país pode cair nos braços de Garotinho.
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